sexta-feira, 19 de maio de 2017

[CC #12]: GLOMERULONEFRITE

                                               Glomerulonefrite


As glomerulopatias, que em geral são conhecidas como glomerulonefrites, são doenças que acometem os glomérulos, estruturas constituídas por um tufo de capilares sanguíneos, delimitados por uma cápsula, além de uma série de outros elementos, entre eles, vários tipos de células, responsáveis pela ultrafiltração do plasma. São doenças muito variadas, algumas de natureza aguda, outras de curso crônico; umas de caráter eminentemente inflamatório, outras não; algumas sabidamente tratáveis, outras não. Podem ter origem nos rins e acometer apenas esses órgãos, sendo chamadas de primárias, ou podem ser secundárias a outras doenças, como diabetes, hepatites, doenças autoimunes, dentre outras. Os pacientes com glomerulopatias podem ser assintomáticos.

                                Afinal, o que é um glomérulo renal ?

Os glomérulos consistem em uma rede de capilares que se anastomosam e são revestidos por duas camadas de epitélio. O epitélio visceral (composto por podócitos) é uma porção intrínseca da parede capilar, enquanto o epitélio parietal reveste o espaço de Bowman (espaço urinário), cavidade que recebe o primeiro ultrafiltrado plasmático. A parede capilar do glomérulo é a unidade de filtração e consiste nas seguintes estruturas:

  •  Uma fina camada de células endoteliais fenestradas, cada fenda com aproximadamente 70-100 nm de diâmetro.
  •  Uma membrana basal glomerular (MBG) com espessa camada central elétron-densa, a lâmina densa, e as camadas periféricas mais finas elétron-lucentes, a lâmina rara interna e a lâmina rara externa. A MBG consiste em colágeno (principalmente tipo IV), laminina, proteoglicanos polianiônicos, fibronectina e muitas outras glicoproteínas.
  •  Podócitos, que são células estruturalmente complexas que possuem processos interdigitantes implantados e aderidos à lâmina rara externa da membrana basal. Os pedicelos adjacentessão separados por fendas de filtração de 20-30 nm de espessura, que são interligadas por um fino diafragma de fenda composto em grande parte por nefrina.
  • O tufo glomerular é sustentado por células mesangiais que repousam entre os capilares. Uma matriz mesangial semelhante à membrana basal forma uma malha na qual as células mesangiais são dispostas. Essas células, de origem mesenquimal, são contráteis e capazes de proliferar, depositando colágeno e outros componentes da matriz, além de secretar diversos mediadores biologicamente ativos.

                                           

                                                Figura 1 – Estrutura de um glomérulo renal

Normalmente, o sistema de filtração glomerular é extraordinariamente permeável à água e a pequenos solutos, e quase completamente impermeável a moléculas de tamanho e carga molecular semelhantes às da albumina (proteína de 70.000 kDa). Essa permeabilidade seletiva, chamada de função de barreira glomerular, distingue as várias moléculas proteicas, a depender do tamanho (quanto maiores, menos permeáveis), da carga (quanto mais catiônicas, mais permeáveis) e da configuração. As características da barreira normal dependem de uma complexa estrutura da parede capilar, da integridade da MBG e de muitas moléculas aniônicas presentes na parede, incluindo os proteoglicanos ácidos da MBG e as sialoglicoproteínas dos revestimentos celulares epiteliais e endoteliais. Os podócitos também são fundamentais para a manutenção da função de barreira glomerular. Os diafragmas podocitários (diafragmas de fenda) são importantes barreiras de difusão para proteínas plasmáticas e, além disso, o podócito é o principal tipo celular responsável pela síntese dos componentes da MBG. Os glomérulos podem ser lesados por diversos mecanismos e no decurso de grande número de doenças sistêmicas.


                   Figura 2 – À esquerda, um glomérulo saudável e à direita, um glomérulo doente

Alterações na homeostase do organismo podem afetar diretamente os rins. Assim, algumas glomerulonefrites são secundárias a algumas doenças sistêmicas, tais como Lúpus, hipertensão, diabetes entre outras. Dessa forma, essas doenças se diferenciam daquelas cujo rim é o órgão predominantemente afetado, ou seja, das primárias. Tanto as doenças sistêmicas quanto as renais podem interferir na integridade dos glomérulos. Isso é devido há uma série de síndromes que se manifestam semelhantemente em diversas doenças. Como a maioria das caudas das doenças glomerulares primárias são idiopáticas, seus nomes são de acordo com as consequentes alterações histológicas, bem como suas localizações. Sendo assim, se a doença atinge todos os glomérulos, é difusa; se atinge o glomérulo inteiro, é global, se atinge apenas uma porção do glomérulo, é focal, se afeta partes de cada glomérulo, é segmental.  Apesar de não se conhecer bem a etiologia das glomerulonefrites primárias, é sabido que há um forte envolvimento do sistema imunológico no processo da doença, seja esta primária ou secundária. 

                           E os tipos de glomerulonefrites ?

Glomerulonefrite Difusa Aguda pós-estreptocócica é um exemplo de complicação associada a infecção por estreptococo anterior a complicação glomerulopática. Diante de uma resposta do sistema imune a uma infecção por estreptococo, ocorre a ligação entre anticorpos e antígenos na circulação sanguínea. Esses imunocomplexos formados se depositarão na parede do glomérulo dando início a resposta inflamatória. O início da resposta inflamatória só é iniciado pela ativação do sistema complemento? De outra forma, como os imunocomplexos irão atrair leucócitos?

Por algum tempo acreditava-se que o desenvolvimento da resposta inflamatória era devido à ativação do sistema complemento. Todavia, diante de estudos realizados com camundongos, notou-se a participação de leucócitos e de células renais intrínsecas no processo injurioso. Essas células apresentam receptores Fc para os imunocomplexos, favorecendo assim a sua deposição. Entretanto, esse fato não exclui a participação do sistema complemento cuja atuação é verificada pelo recrutamento de leucócitos que irá configurar o infiltrado leucocítico.

Com os imunocomplexos formados e depositados nas paredes dos glomérulos, temos então o início(ou lesões glomerulares) do processo injurioso, ou resposta inflamatória caracterizada pela infiltração de leucócitos e proliferação de células mesangiais e endoteliais .

O depósito de imunocomplexos na parede glomerular obedece a um padrão de localização determinado pelas mesmas características que determinam a filtração glomerular. Imunógenos catiônicos possuem facilidade para atravessarem a membrana basal glomerular (MBG) e, portanto, tendem a se acumular entre a superfície externa da MBG e os podócitos, numa localização subepitelial. Já os imunógenos aniônicos, se agregam na região entre a superfície interna da MBG e o endotélio capilar, localizando-se em região subendotelial, enquanto que imunógenos neutros se depositam entre as células mesangiais. É importante entender o comportamento dos diferentes imunocomplexos diante da barreira glomerular, já que o padrão de localização é determinante para o tipo de resposta ao dano causado.

No decorrer da doença, os imunocomplexos podem ser degradados devido à ação de leucócitos, principalmente neutrófilos e macrófagos e assim a doença ser curada. Contudo, caso haja uma constante produção desses complexos e sua permanente deposição nos glomérulos, a doença pode evoluir para sua forma mais crônica.


               Figura 3 – Glomérulo volumoso à esquerda; aumento maior do glomérulo volumoso com                     presença de neutrófilos (setas) à direita.

A Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva (crescente) é uma doença renal associada à injúria glomerular grave que leva a uma perda rápida e progressiva da função glomerular, gerando oligúria grave e sinais de síndrome nefrítica. Está associada a doenças sistêmicas ou restritas  ao rim, entretanto, a sua causa é normalmente idiopática. A GNRP pode ser de três tipos:

  • O primeiro está associado a anticorpos anti Membrana Basal Glomerular (MBG). Ocorre a deposição de IgG e de C3 na MBG. A presença de acometimento pulmonar concomitante revela síndrome de Goodpasture.
  • O segundo se associa ao depósito de imunocomplexos nos glomérulos. Geralmente ocorre depois de uma infecção. As alterações histológicas são, além de danos glomerulares, a formação de crescentes
  • No terceiro, há ausência de complexos imunes, mas presença de anticorpos anticitoplasma de neutrófilos.

Mesmo existindo três formas distintas, todas culminam em injúria glomerular grave. O quadro histológico é definido pela formação de crescentes que são aglomerados de células no espaço urinário da capsula de Bowman devido à proliferação das células do epitélio parietal. Existem nesses aglomerados, depósitos de fibrina, que estimulam a proliferação das células epiteliais parietais. Juntamente às células proliferadas, ocorre uma infiltração de leucócitos, contribuindo ainda mais para a obliteração do espaço urinário e a compressão do tufo glomerular. 


              Figura 4 – Crescente obliterando o espaço urinário e obliterando o tufo glomerular esquerda; aumento maior de uma crescente à direita, revelando presença de infiltrado neutrofílico. 

A Glomerulonefrite Crônica é um agravo desenvolvido por glomerulonefrites primárias, contudo existem casos em que a doença crônica surge sem nenhum precedente.

No início, as alterações histológicas podem ser características de glomerulonefrites. Com o agravamento da doença, o glomérulo se torna cada vez mais obliterado, tornando-se uma massa acelular e fortemente corada por eosina. Sua constituição nada mais é do que proteínas plasmáticas, matriz mesangial aumentada, um material semelhante à membrana basal e colágeno. Devido a hipertensão, as artérias e arteríolas são esclerosadas, e por isso se destacam. Ocorre ainda a atrofia dos túbulos e um infiltrado de leucócitos.


                                    Figura 5 – massa glomerular obliterada eosinofílica. 

A Nefropatia Membranosa é caracterizada pelo acumulo de Ig depositadas na região subendotelial (entre o lado da membrana basal voltado para o espaço urinário e o epitélio visceral) da membrana basal. Pode estar associada a drogas, Lúpus eritematoso, infecções e distúrbios imunogênicos, apesar de que a maioria dos casos, 85%, é de causa desconhecida.

As alterações histológicas consistem em espessamento da parede dos capilares glomerulares, os quais adquirem um aspecto membranoso. Quase não há leucócitos nos glomérulos, mas há presença uniforme do sistema complemento, por sua vez, ativa o sistema de ataque à membrana e ataca as células glomerulares mesangiais e epiteliais, induzindo-as a liberar substancias danosas a parede glomerular, favorecendo a passagem de proteínas pela barreira de filtração. Imagens de imunohistoquímica demonstram depósitos granulares também de IgG na região subepitelial . Estes depósitos são envolvidos por material da membrana basal formando espículas irregulares. Tais depósitos também destroem os pedicelos, estruturas derivadas do epitélio visceral da capsula de Bowman que recobre a membrana basal.


           Figura 6 –Espessamento da parede glomerular à esquerda e espículas; depósitos granuloso de              IgG à direita.

A Doença da Lesão Mínima, doença mais comum em crianças, é caracterizada pela destruição dos processos pediculares (pedicelos) dos podócitos, estruturas que formam o epitélio visceral do espaço de Bowman em glomérulo que em microscopia óptica não aparenta dano algum. As suas alterações histológicas concentram-se no epitélio visceral, com nenhum material eletrodenso encontrado. Ocorre, portanto, a destruição dos processos pediculares com sua consequente vacuolização, inchaço e hiperplasia, resultando em um achatamento, retração e dilatação. Assim se obtém um aspecto enganoso de que os processos pediculares foram fundidos, enquanto que houve somente uma simplificação na arquitetura das células do epitélio visceral.

Figura 7- Glomérulo acometido com Doença da Lesão Mínima

 A Glomerulosclerose Segmentar Focal é caracterizada por lesões nas paredes glomerulares, especificamente no epitélio visceral. Ocorre hialinose e esclerose por retenção de proteínas plasmáticas nas áreas hiperpermeáveis. Não atinge todos os glomérulos e somente uma porção de cada glomérulo afetado. Por essa razão, pode não ser detectada na amostra da biópsia tiver um número insuficiente de glomérulos. Começa atingindo principalmente os glomérulos justamedulares, mas depois tende a se generalizar.  Em algumas áreas, devido a deposição de proteínas pode acorrer oclusão dos lumens capilares. A matriz mesangial pode estar aumentada, pode ocorrer o desnudamento da membrana basal glomerular e podem ser encontrados tanto IgM como C3 nas regiões escleróticas e no mesângio. Com a progressão da doença, o número de glomérulos afetados pode ser total, gerando atrofia tubular e fibrose intersticial. 


            Figura 8 – Apenas um glomérulo apresenta Glomerulosclerose Segmentar focal à esquerda;                 área esclerótica no glomérulo à direita.

A Glomerulonefrite Membranoproliferativa é caracterizada histologicamente pela proliferação de células mesangiais e infiltrado leucocítico. É apresentada por dois tipos: em um ocorre a deposição de imunocomplexos e em outro ocorre a atuação nociva do sistema complemento. As alterações histológicas são comuns para ambos os casos em microscopia óptica: ocorre um aumento no tamanho dos glomérulos por proliferação das células mesangiais e por proliferação endocapilar, além da presença dos leucócitos infiltrativos. Os dois tipos se diferem através de suas características ultraestruturais. No primeiro tipo, observa-se o deposito eletrodenso subendotelial, enquanto que o segundo tipo aparenta um depósito denso na própria membrana basal glomerular de material desconhecido.

          
          Figura 9- Detalhes de espaçamento da membrana basal à esquerda; glomérulo com espessamento da membrana basal à direita


Referências
          
               https://sbn.org.br/publico/doencas-comuns/glomerulopatias/
                    http://www.medicinageriatrica.com.br/2009/07/19/doenca-glomerular-de-lesao-minima/
               http://anatpat.unicamp.br/
               http://www.fondazionedamico.org/biopsiarenale_atlas/prim/pi/pi11.htm
               Fundamentos de Patologia - Robbins & Cotran - 8ª Ed. 2012


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