As glomerulopatias, que em geral são conhecidas como
glomerulonefrites, são doenças que acometem os glomérulos, estruturas
constituídas por um tufo de capilares sanguíneos, delimitados por uma cápsula,
além de uma série de outros elementos, entre eles, vários tipos de células,
responsáveis pela ultrafiltração do plasma. São doenças muito variadas, algumas
de natureza aguda, outras de curso crônico; umas de caráter eminentemente
inflamatório, outras não; algumas sabidamente tratáveis, outras não. Podem ter
origem nos rins e acometer apenas esses órgãos, sendo chamadas de primárias, ou
podem ser secundárias a outras doenças, como diabetes, hepatites, doenças
autoimunes, dentre outras. Os pacientes com glomerulopatias podem ser
assintomáticos.
Afinal, o que é um glomérulo renal ?
Os glomérulos consistem em uma rede de capilares que se anastomosam e são revestidos por duas camadas de epitélio. O epitélio visceral (composto por podócitos) é uma porção intrínseca da parede capilar, enquanto o epitélio parietal reveste o espaço de Bowman (espaço urinário), cavidade que recebe o primeiro ultrafiltrado plasmático. A parede capilar do glomérulo é a unidade de filtração e consiste nas seguintes estruturas:
- Uma fina camada de células endoteliais fenestradas, cada fenda com aproximadamente 70-100 nm de diâmetro.
- Uma membrana basal glomerular (MBG) com espessa camada central elétron-densa, a lâmina densa, e as camadas periféricas mais finas elétron-lucentes, a lâmina rara interna e a lâmina rara externa. A MBG consiste em colágeno (principalmente tipo IV), laminina, proteoglicanos polianiônicos, fibronectina e muitas outras glicoproteínas.
- Podócitos, que são células estruturalmente complexas que possuem processos interdigitantes implantados e aderidos à lâmina rara externa da membrana basal. Os pedicelos adjacentessão separados por fendas de filtração de 20-30 nm de espessura, que são interligadas por um fino diafragma de fenda composto em grande parte por nefrina.
- O tufo glomerular é sustentado por células mesangiais que repousam entre os capilares. Uma matriz mesangial semelhante à membrana basal forma uma malha na qual as células mesangiais são dispostas. Essas células, de origem mesenquimal, são contráteis e capazes de proliferar, depositando colágeno e outros componentes da matriz, além de secretar diversos mediadores biologicamente ativos.
Figura 1 – Estrutura de um glomérulo renal
Normalmente, o sistema de filtração glomerular é extraordinariamente permeável à água e a pequenos solutos, e quase completamente impermeável a moléculas de tamanho e carga molecular semelhantes às da albumina (proteína de 70.000 kDa). Essa permeabilidade seletiva, chamada de função de barreira glomerular, distingue as várias moléculas proteicas, a depender do tamanho (quanto maiores, menos permeáveis), da carga (quanto mais catiônicas, mais permeáveis) e da configuração. As características da barreira normal dependem de uma complexa estrutura da parede capilar, da integridade da MBG e de muitas moléculas aniônicas presentes na parede, incluindo os proteoglicanos ácidos da MBG e as sialoglicoproteínas dos revestimentos celulares epiteliais e endoteliais. Os podócitos também são fundamentais para a manutenção da função de barreira glomerular. Os diafragmas podocitários (diafragmas de fenda) são importantes barreiras de difusão para proteínas plasmáticas e, além disso, o podócito é o principal tipo celular responsável pela síntese dos componentes da MBG. Os glomérulos podem ser lesados por diversos mecanismos e no decurso de grande número de doenças sistêmicas.
Figura 2 – À esquerda, um glomérulo saudável e à direita, um glomérulo doente
Alterações na homeostase do
organismo podem afetar diretamente os rins. Assim, algumas glomerulonefrites
são secundárias a algumas doenças sistêmicas, tais como Lúpus, hipertensão,
diabetes entre outras. Dessa forma, essas doenças se diferenciam daquelas cujo
rim é o órgão predominantemente afetado, ou seja, das primárias. Tanto as
doenças sistêmicas quanto as renais podem interferir na integridade dos
glomérulos. Isso é devido há uma série de síndromes que se manifestam semelhantemente
em diversas doenças. Como a maioria das caudas das doenças glomerulares
primárias são idiopáticas, seus nomes são de acordo com as consequentes
alterações histológicas, bem como suas localizações. Sendo assim, se a doença
atinge todos os glomérulos, é difusa; se
atinge o glomérulo inteiro, é global,
se atinge apenas uma porção do glomérulo, é focal, se afeta partes de cada glomérulo, é segmental. Apesar de não se
conhecer bem a etiologia das glomerulonefrites primárias, é sabido que há um
forte envolvimento do sistema imunológico no processo da doença, seja esta
primária ou secundária.
E os tipos de glomerulonefrites ?
A Glomerulonefrite Difusa Aguda pós-estreptocócica é um exemplo de complicação associada a
infecção por estreptococo anterior a complicação glomerulopática. Diante de uma
resposta do sistema imune a uma infecção por estreptococo, ocorre a ligação
entre anticorpos e antígenos na circulação sanguínea. Esses imunocomplexos
formados se depositarão na parede do glomérulo dando início a resposta
inflamatória. O início da resposta
inflamatória só é iniciado pela ativação do sistema complemento? De outra
forma, como os imunocomplexos irão atrair leucócitos?
Por algum tempo acreditava-se que o desenvolvimento da
resposta inflamatória era devido à ativação do sistema complemento. Todavia,
diante de estudos realizados com camundongos, notou-se a participação de
leucócitos e de células renais intrínsecas no processo injurioso. Essas células
apresentam receptores Fc para os imunocomplexos, favorecendo assim a sua deposição.
Entretanto, esse fato não exclui a
participação do sistema complemento cuja atuação é verificada pelo recrutamento
de leucócitos que irá configurar o infiltrado leucocítico.
Com os imunocomplexos formados e depositados nas paredes dos
glomérulos, temos então o início(ou lesões glomerulares) do processo injurioso,
ou resposta inflamatória caracterizada pela infiltração de leucócitos e
proliferação de células mesangiais e endoteliais .
O depósito de imunocomplexos na parede glomerular obedece a
um padrão de localização determinado pelas mesmas características que
determinam a filtração glomerular. Imunógenos catiônicos possuem facilidade
para atravessarem a membrana basal glomerular (MBG) e, portanto, tendem a se
acumular entre a superfície externa da MBG e os podócitos, numa localização
subepitelial. Já os imunógenos aniônicos, se agregam na região entre a
superfície interna da MBG e o endotélio capilar, localizando-se em região
subendotelial, enquanto que imunógenos neutros se depositam entre as células
mesangiais. É importante entender o comportamento dos diferentes imunocomplexos
diante da barreira glomerular, já que o padrão de localização é determinante
para o tipo de resposta ao dano causado.
No decorrer da doença, os imunocomplexos podem ser degradados devido à ação de leucócitos, principalmente neutrófilos e macrófagos e assim a doença ser curada. Contudo, caso haja uma constante produção desses complexos e sua permanente deposição nos glomérulos, a doença pode evoluir para sua forma mais crônica.
Figura 3 – Glomérulo volumoso à esquerda; aumento maior do
glomérulo volumoso com presença de neutrófilos (setas) à direita.
A Glomerulonefrite
Rapidamente Progressiva (crescente) é uma doença renal associada à
injúria glomerular grave que leva a uma perda rápida e progressiva da função
glomerular, gerando oligúria grave e sinais de síndrome nefrítica. Está
associada a doenças sistêmicas ou restritas
ao rim, entretanto, a sua causa é normalmente idiopática. A GNRP pode
ser de três tipos:
- O primeiro está associado a anticorpos anti Membrana Basal Glomerular (MBG). Ocorre a deposição de IgG e de C3 na MBG. A presença de acometimento pulmonar concomitante revela síndrome de Goodpasture.
- O segundo se associa ao depósito de imunocomplexos nos glomérulos. Geralmente ocorre depois de uma infecção. As alterações histológicas são, além de danos glomerulares, a formação de crescentes
- No terceiro, há ausência de complexos imunes, mas presença de anticorpos anticitoplasma de neutrófilos.
Mesmo existindo três formas distintas, todas culminam em
injúria glomerular grave. O quadro histológico é definido pela formação de
crescentes que são aglomerados de células no espaço urinário da capsula de
Bowman devido à proliferação das células do epitélio parietal. Existem nesses
aglomerados, depósitos de fibrina, que estimulam a proliferação das células
epiteliais parietais. Juntamente às células proliferadas, ocorre uma
infiltração de leucócitos, contribuindo ainda mais para a obliteração do espaço
urinário e a compressão do tufo glomerular.
Figura 4 – Crescente obliterando o espaço urinário e
obliterando o tufo glomerular esquerda; aumento maior de uma crescente à
direita, revelando presença de infiltrado neutrofílico.
A Glomerulonefrite
Crônica é um agravo desenvolvido por glomerulonefrites primárias,
contudo existem casos em que a doença crônica surge sem nenhum precedente.
No início, as alterações histológicas podem ser
características de glomerulonefrites. Com o agravamento da doença, o glomérulo
se torna cada vez mais obliterado, tornando-se uma massa acelular e fortemente
corada por eosina. Sua constituição nada mais é do que proteínas plasmáticas,
matriz mesangial aumentada, um material semelhante à membrana basal e colágeno.
Devido a hipertensão, as artérias e arteríolas são esclerosadas, e por isso se
destacam. Ocorre ainda a atrofia dos túbulos e um infiltrado de leucócitos.
Figura 5 – massa glomerular obliterada eosinofílica.
A Nefropatia
Membranosa é caracterizada pelo acumulo de Ig depositadas na região
subendotelial (entre o lado da membrana basal voltado para o espaço urinário e
o epitélio visceral) da membrana basal. Pode estar associada a drogas, Lúpus
eritematoso, infecções e distúrbios imunogênicos, apesar de que a maioria dos
casos, 85%, é de causa desconhecida.
As alterações histológicas consistem em espessamento da
parede dos capilares glomerulares, os quais adquirem um aspecto membranoso.
Quase não há leucócitos nos glomérulos, mas há presença uniforme do sistema
complemento, por sua vez, ativa o sistema de ataque à membrana e ataca as
células glomerulares mesangiais e epiteliais, induzindo-as a liberar
substancias danosas a parede glomerular, favorecendo a passagem de proteínas
pela barreira de filtração. Imagens de imunohistoquímica demonstram depósitos
granulares também de IgG na região subepitelial . Estes depósitos são
envolvidos por material da membrana basal formando espículas irregulares. Tais
depósitos também destroem os pedicelos, estruturas derivadas do epitélio visceral
da capsula de Bowman que recobre a membrana basal.
Figura 6 –Espessamento da parede glomerular à esquerda e
espículas; depósitos granuloso de IgG à direita.
A Doença
da Lesão Mínima, doença mais comum em crianças, é caracterizada pela
destruição dos processos pediculares (pedicelos) dos podócitos, estruturas que
formam o epitélio visceral do espaço de Bowman em glomérulo que em microscopia
óptica não aparenta dano algum. As suas alterações histológicas concentram-se
no epitélio visceral, com nenhum material eletrodenso encontrado. Ocorre,
portanto, a destruição dos processos pediculares com sua consequente
vacuolização, inchaço e hiperplasia, resultando em um achatamento, retração e
dilatação. Assim se obtém um aspecto enganoso de que os processos pediculares
foram fundidos, enquanto que houve somente uma simplificação na arquitetura das
células do epitélio visceral.
Figura 7- Glomérulo acometido com Doença da Lesão Mínima
A Glomerulosclerose
Segmentar Focal é caracterizada por lesões nas paredes glomerulares,
especificamente no epitélio visceral. Ocorre hialinose e esclerose por retenção
de proteínas plasmáticas nas áreas hiperpermeáveis. Não atinge todos os
glomérulos e somente uma porção de cada glomérulo afetado. Por essa razão, pode
não ser detectada na amostra da biópsia tiver um número insuficiente de
glomérulos. Começa atingindo principalmente os glomérulos justamedulares, mas
depois tende a se generalizar. Em
algumas áreas, devido a deposição de proteínas pode acorrer oclusão dos lumens
capilares. A matriz mesangial pode estar aumentada, pode ocorrer o desnudamento
da membrana basal glomerular e podem ser encontrados tanto IgM como C3 nas
regiões escleróticas e no mesângio. Com a progressão da doença, o número de
glomérulos afetados pode ser total, gerando atrofia tubular e fibrose
intersticial.
Figura 8 – Apenas um glomérulo apresenta Glomerulosclerose
Segmentar focal à esquerda; área esclerótica no glomérulo à direita.
A Glomerulonefrite
Membranoproliferativa é caracterizada histologicamente pela proliferação
de células mesangiais e infiltrado leucocítico. É apresentada por dois tipos:
em um ocorre a deposição de imunocomplexos e em outro ocorre a atuação nociva
do sistema complemento. As alterações histológicas são comuns para ambos os
casos em microscopia óptica: ocorre um aumento no tamanho dos glomérulos por
proliferação das células mesangiais e por proliferação endocapilar, além da
presença dos leucócitos infiltrativos. Os dois tipos se diferem através de suas
características ultraestruturais. No primeiro tipo, observa-se o deposito
eletrodenso subendotelial, enquanto que o segundo tipo aparenta um depósito
denso na própria membrana basal glomerular de material desconhecido.
Figura 9- Detalhes de espaçamento da membrana basal à esquerda; glomérulo com espessamento da membrana basal à direita
Referências
https://sbn.org.br/publico/doencas-comuns/glomerulopatias/
http://www.medicinageriatrica.com.br/2009/07/19/doenca-glomerular-de-lesao-minima/
http://anatpat.unicamp.br/
http://www.fondazionedamico.org/biopsiarenale_atlas/prim/pi/pi11.htm
Fundamentos de Patologia - Robbins & Cotran - 8ª Ed. 2012
Muito legal! Parabéns!
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