A pancreatite é uma inflamação do pâncreas. Dentre suas funções, o pâncreas atua, em sua porção exócrina, na secreção de enzimas que vão atuar na digestão de lipídios, proteínas e carboidratos no intestino delgado. A pancreatite ocorre quando essas enzimas, geralmente ativas apenas no intestino delgado, se tornam ativas dentro do pâncreas, iniciando o processo de autodigestão característico da pancreatite. Esta condição apresenta-se em duas formas: a pancreatite aguda e a pancreatite crônica.
Estruturas do Pancreas: a. pâncreas in
situ; b. ácinos e ductos biliares; c. estruturas microscópica do ácino
pancreático; d. ácinos pancreáticos e ilhotas de Langerhans .
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Pancreatite aguda
A pancreatite aguda é caracterizada como uma doença inflamatória do pâncreas, sendo caracterizada por dor abdominal e aumento nos níveis séricos de amilase e lipase. Esta difere-se da pancreatite crônica pela possibilidade de restituição completa das funções e morfologia do pâncreas após a resolução dos fatores agudizantes
Causas
Dentre as principais causas de PA, estão pela
passagem de cálculo pelo ducto colédoco e o consumo excessivo de álcool, que representam
aproximadamente 80% dos casos. (Tabela I)
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Álcool: Atua como fator desencadeante
principalmente em pacientes fator importante principalmente quando
associado ao tabagismo e à dietas ricas em gorduras, o que leva à espasmos do
esfíncter da ampola hepatopancreática e obstrução pela formação de tampões
proteicos gerados por subprodutos do metabolismo alcoólico, além de poder agir
alterando a quantidade de proteases com potencial lesivo na secreção
pancreática.
·
Cálculos Biliares: a presença de cálculos
biliares na bile pode levar ao refluxo de bile ao ducto pancreático e/ou levar
à obstrução. Observa-se que a frequência de pancreatite aguda em pacientes com
cálculos biliares é inversamente proporcional ao tamanho destes. A microlitíase
pode atuar no desenvolvimento de pancreatite aguda, agindo de forma ainda não
muito esclarecida nesse processo.
·
Obstrução Pancreática: Apresenta-se como causa menos
comum, estando associada a fatores como: a disfunção do esfíncter da ampola hepatopancreática,
causada pelo aumento da pressão dessa estrutura devido a fibrose ou aumento do
tônus da musculatura; a não união dos ductos pancreáticos ventral e dorsal com
o ducto acessório, o que pode ocasionar resistência ao fluxo e possível
obstrução; ou em pacientes acometidos por fibrose cística, onde o aumento da
concentração intracelular de íons cloreto dificulta a secreção de íon
bicarbonato e ocasiona um influxo de água para o meio intracelular, levando à
secreção de um conteúdo concentrado e pouco fluido, mais susceptível a se
acumular e causar obstrução dos ductos.
Etiopatogenia
Dentre as principais causas de PA, estão pela
passagem de cálculo pelo ducto colédoco e o consumo excessivo de álcool, que representam
aproximadamente 80% dos casos. (Tabela I)
Observa-se, em modelos experimentais, que o estágio
inicial da pancreatite pode consiste na mistura das enzimas digestivas e
lisossômicas, sugerindo a possibilidade de que os fatores como o abuso de
álcool, obstrução das vias biliares ou da ampola hepatopancreática, drogas e
isquemia poderiam comprometer a função das células acinares, levando à ativação
da tripsina intracelular pela junção dos grânulos de zimogênio com os lisossomos,
desencadeando a liberação de fatores inflamatórios como IL-6, TNF-alfa e
contribuem no estabelecimento do quadro inflamatório. Dessa forma, esse
conjunto de fatores leva à formação de coleções agudas ao redor do pâncreas;
necrose pancreática em área difusa ou no parênquima pancreático, que se associa
à necrose da gordura peripancreática e pode ser estéril ou infectada; ou abscesso
pancreático.
Manifestações Clínicas
O quadro clínico de pacientes com pancreatite aguda
geralmente apresenta-se em dois grupos: um com resolução rápida, em torno de
uma semana; e outro com tratamento complicado, durando meses e marcado por
intercorrências que podem levar ao desenvolvimento de sequelas ou à morte do
indivíduo. Os sinais e sintomas apresentados são, geralmente, dor abdominal,
aparecendo na região do epigástrio e irradiando para a porção média do dorso e
de duração prolongada; náuseas; e vômito, devido à compressão duodenal pelo
pâncreas edemaciado. Outros achados que podem ser observados no exame do
paciente pode ser a ausência de sons intestinais ausentes ou diminuídos, frutos
de paralisia do íleo pela disseminação do processo inflamatório ao mesentério
do intestino delgado e cólon; uma possível icterícia devido a uma possível
compressão do ducto colédoco pelo pâncreas com volume aumentado; febre, fruto
do estabelecimento do quadro inflamatório com liberação de fatores
pró-inflamatórios; hipotensão; taquicardia; taquipneia; necrose da gordura
subcutânea; áreas endurecidas; eritema e grandes equimoses nos flancos (sinal de
Grey Turner) ou na área umbilical (sinal de Cullen), causadas pelo sangue
localizado retroperitonealmente no pâncreas e nos planos fasciais.
Cullen Grey-Turner |
Diagnóstico laboratorial
Exame de sangue
Baseado na observação de alterações nos níveis
séricos de: a) amilase, que encontram-se em torno de três a quatro vezes
aumentados, na maioria dos casos, principalmente nas 2 a 12 horas iniciais do
processo; b) lipase, que apresentam-se aumentados em paralelo com os níveis de
amilase e pode manter-se aumentado por mais tempo; c) glicose, que apresenta-se
em níveis transitoriamente aumentados; d) bilirrubina, fruto da compressão do
ducto colédoco pelo pâncreas. Além de poder afetar os níveis de albumina,
causando hipoalbuminemia pelo extravasamento dessa proteína plasmática pelas
superfícies peritoneais inflamadas.
Exame de urina
Aumento na concentração de amilase e creatinina
Exames de imagem
Pode-se utilizar para o diagnóstico de pancreatite
exames como: a) ultrassonografia, através do qual é possível identificar a
colelitíase (possível causador da pancreatite) além de poder visualizar-se o
pâncreas com característica hipoecoica, devido ao quadro inflamatório; b) tomografia
computadorizada, o qual é o método mais utilizado para observar-se a extensão
dos danos locais da pancreatite, a partir da visualização do aumento do
pâncreas e da dificuldade de perfusão pancreática do contraste, sugerindo pancreatite
necrosante.
Fig 1. necrose de 50% do corpo e cauda do pâncreas |
Tratamento
O
tratamento direto para a pancreatite aguda é incerto. Não há uma terapia que
haja comprovadamente de forma direta da inflamação pancreática. Assim, a base
terapêutica se dá através da manutenção do equilíbrio hídrico e a monitoração
dos sinais dos pacientes assim como a observação de possíveis complicações do
seu quadro para formais mais agressivas como a pancreatite necrosante. Além disso,
faz-se a utilização de analgésicos para o controle da dor; alimentação por
sonda nasogástrica em caso de vômito e íleo adinâmico. Em casos de pancreatite
causada por colelitíase, a colecistectomia pode ser indicada para evitar
reincidência. Não se faz necessário o uso de antibióticos em casos de
pancreatite aguda leve.
Epidemiologia
Apresenta
incidência em torno de um a cinco casos a cada dez mil habitantes por ano. Apresentando-se
mais frequentemente associada ao alcoolismo e a doenças das vias biliares.
Pancreatite Crônica
Doença inflamatória, com resultante degeneração fibrótica, que tem progressão frequente e de grau irreversível do parênquima pancreático. Com o passar de muitos anos, as células do parênquima hepático, como células acinares e as ilhotas de Langerhans vão atrofiando e perdendo a sua principal função.
A doença possui um grau amplamente
heterogêneo de progressão, podendo acometer porções diferentes do pâncreas.
Episódios de pancreatite aguda podem acometer ao longo da doença crônica.
Patologia
Como toda classificação crônica, encontramos
áreas acometidas com um infiltrado de linfócitos e plasmócitos, assim como
eosinófilos. O caráter degenerativo da doença é percebido na presença de fibrose
periductal e periacinar, assim como a atrofia de algumas células acinares e
ilhotas de Langerhans. A falta de secreção normal de proteínas específicas que
inibem a formação dos cálculos já foi formulada como causa da pancreatite.
Classificação
Existem três tipos clínico-patológicos de
pancreatite crônica, segundo o Simpósio de Marselha-Roma (1988):
Pancreatite
Calcificante Crônica: Mais
comum e contém de Cálculos Pancreáticos que podem obliterar pequenas e grandes
vias ductais pancreáticas. Grau de acometimento irregular e variado. O ducto
principal pode estar dilatado em alguns pacientes e a sua causa principal é o
etilismo.
Pancreatite
Obstrutiva Crônica: Menos
comum e ocorre obliteração do ducto pancreático principal. Há atrofia e fibrose
difusa e uniforme. A causa mais comum é tumor intraductal (adenocarcinoma),
podendo ser originado também da estenose ductal e do pâncreas divisum.
Pancreatite
inflamatória crônica: Não
apresenta os “plugs” ductais e não oblitera o ducto principal. Ocorre em alguma doenças auto-imunes, como a síndrome de Sjogren. É um tipo raro.
Fisiopatologia
O mecanismo fisiopatológico da pancreatite
ainda não é plenamente estabelecido. A
sua causa mais comum, a alcoólica, induz a formação de um suco pancreático
“litogênico”, isto é, bastante proteico, com pouco inibidor da tripsina. Assim
ocorreria a formação de plugs proteicos que obstruiriam pequenos ductulos,
ativando enzimas pancreáticas e promovendo um processo inflamatório. Outros
mecanismos potencialmente envolvidos, uma vez que a causa é multifatorial,
incluem:
1) Isquemia Tissular: Gerada pela hipertensão ductal, contribuiria para a perpetuação das
lesões degenerativas.
2) Estresse Oxidativo: Pela superprodução hepática de radicais livres, que em decorrência
do refluxo biliar ou pela circulação sistêmica resultaria em inflamação
recorrente e dano tecidual. A deficiência orgânica de substancias antioxidantes
também é um agravante, dado ao grau de desnutrição, principalmente em etilistas
crônicos.
3) Efeito Toxico Metabólico: o álcool produziria acúmulo de gordura em células
pancreáticas, ocasionando degeneração gordurosa.
4) Fenômenos Autoimunes: vários casos relatam a pancreatite crônica idiopática à
autoanticorpos circulantes.
A pancreatite crônica evolui em fase mais
avançada de doença para a insuficiência pancreática. Esta pode ser exócrina
e/ou endócrina. A insuficiência exócrina leva a uma síndrome de má digestão de
alimentos, causando esteatorreia e desnutrição proteica. A insuficiência
endócrina gera diabetes mellitus.
Etiologia
Em cerca de 70% dos casos o álcool está na
base do aparecimento desta doença. Sabe-se hoje que há alterações genéticas que
facilitam o aparecimento de algumas formas de pancreatite crônica, tornando o
órgão mais sensível à atuação de factores lesivos. Há pancreatites hereditárias
e pancreatites causadas por doenças metabólicas e formas auto imunes. Nas
crianças a causa mais frequente é a fibrose quística, que tem como base
alterações genéticas.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito na clínica e confirma-se
com exames complementares de diagnóstico. Os mais utilizados são os chamados
“métodos de imagem”, desde a simples radiografia simples do abdome onde se
detectam facilmente as calcificações pancreáticas como a ecografia, TAC . Eco
endoscopia (ecografia realizada a partir do estomago com um ecógrafo instalado
na ponta do endoscópio). Cada um destes exames tem a sua indicação. Existem
igualmente provas que ajudam a definir o grau de incapacidade funcional do
órgão.
Tratamento
A principal consequência clínica da
insuficiência exócrina pancreática é a má digestão de gorduras e a
esteatorreia. Isto se deve, em parte, ao fato da lipase ser a enzima
pancreática mais instável durante o trânsito no trato gastrointestinal,
decorrente de sua alta sensibilidade à proteólise e ao pH ácido frequentemente
observado no duodeno e jejuno de pacientes com insuficiência exócrina
pancreática, os quais apresentam hipossecreção de bicarbonato pancreático. O
tratamento da insuficiência exócrina pancreática se baseia na administração
oral de enzimas pancreáticas, visando fornecer uma quantidade suficiente de
lipase ativa no lúmen duodenal por ocasião do esvaziamento gástrico dos
nutrientes e, assim, evitar deficiências nutricionais potencialmente relevantes
(por exemplo, de micronutrientes, vitaminas lipossolúveis, pré-albumina e
lipoproteínas). Encontra-se indicado em todo paciente com insuficiência
exócrina pancreática e má digestão de gorduras, independente da magnitude da
esteatorreia e da presença ou não de sintomas associados.
O tratamento da dor abdominal é feito por meio de
analgésicos. Há várias classes destes medicamentos que devem ser adaptados ao
tipo e intensidade da doença. Por vezes o tratamento com enzimas pancreáticas
ajuda igualmente a reduzir as queixas dolorosas. Em algumas situações a dor é
de tal forma incapacitante que há necessidade de recorrer a métodos mais
invasivos (ex: métodos endoscópicos, bloqueio
do plexo celíaco).
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