sexta-feira, 28 de abril de 2017

[CC #9]: PANCREATITE

Pancreatite
           

                A pancreatite é uma inflamação do pâncreas. Dentre suas funções, o pâncreas atua, em sua porção exócrina, na secreção de enzimas que vão atuar na digestão de lipídios, proteínas e carboidratos no intestino delgado. A pancreatite ocorre quando essas enzimas, geralmente ativas apenas no intestino delgado, se tornam ativas dentro do pâncreas, iniciando o processo de autodigestão característico da pancreatite. Esta condição apresenta-se em duas formas: a pancreatite aguda e a pancreatite crônica.
Estruturas do Pancreas: a. pâncreas in situ; b. ácinos e ductos biliares; c. estruturas microscópica do ácino pancreático; d. ácinos pancreáticos e ilhotas de Langerhans .

Pancreatite aguda
       
            A pancreatite aguda é caracterizada como uma doença inflamatória do pâncreas, sendo caracterizada por dor abdominal e aumento nos níveis séricos de amilase e lipase. Esta difere-se da pancreatite crônica pela possibilidade de restituição completa das funções e morfologia do pâncreas após a resolução dos fatores agudizantes

Causas
          Dentre as principais causas de PA, estão pela passagem de cálculo pelo ducto colédoco e o consumo excessivo de álcool, que representam aproximadamente 80% dos casos. (Tabela I)
·         Álcool: Atua como fator desencadeante principalmente em pacientes   fator importante principalmente quando associado ao tabagismo e à dietas ricas em gorduras, o que leva à espasmos do esfíncter da ampola hepatopancreática e obstrução pela formação de tampões proteicos gerados por subprodutos do metabolismo alcoólico, além de poder agir alterando a quantidade de proteases com potencial lesivo na secreção pancreática.
·         Cálculos Biliares: a presença de cálculos biliares na bile pode levar ao refluxo de bile ao ducto pancreático e/ou levar à obstrução. Observa-se que a frequência de pancreatite aguda em pacientes com cálculos biliares é inversamente proporcional ao tamanho destes. A microlitíase pode atuar no desenvolvimento de pancreatite aguda, agindo de forma ainda não muito esclarecida nesse processo.
·         Obstrução Pancreática: Apresenta-se como causa menos comum, estando associada a fatores como: a disfunção do esfíncter da ampola hepatopancreática, causada pelo aumento da pressão dessa estrutura devido a fibrose ou aumento do tônus da musculatura; a não união dos ductos pancreáticos ventral e dorsal com o ducto acessório, o que pode ocasionar resistência ao fluxo e possível obstrução; ou em pacientes acometidos por fibrose cística, onde o aumento da concentração intracelular de íons cloreto dificulta a secreção de íon bicarbonato e ocasiona um influxo de água para o meio intracelular, levando à secreção de um conteúdo concentrado e pouco fluido, mais susceptível a se acumular e causar obstrução dos ductos.

Etiopatogenia
          Dentre as principais causas de PA, estão pela passagem de cálculo pelo ducto colédoco e o consumo excessivo de álcool, que representam aproximadamente 80% dos casos. (Tabela I)
Observa-se, em modelos experimentais, que o estágio inicial da pancreatite pode consiste na mistura das enzimas digestivas e lisossômicas, sugerindo a possibilidade de que os fatores como o abuso de álcool, obstrução das vias biliares ou da ampola hepatopancreática, drogas e isquemia poderiam comprometer a função das células acinares, levando à ativação da tripsina intracelular pela junção dos grânulos de zimogênio com os lisossomos, desencadeando a liberação de fatores inflamatórios como IL-6, TNF-alfa e contribuem no estabelecimento do quadro inflamatório. Dessa forma, esse conjunto de fatores leva à formação de coleções agudas ao redor do pâncreas; necrose pancreática em área difusa ou no parênquima pancreático, que se associa à necrose da gordura peripancreática e pode ser estéril ou infectada; ou abscesso pancreático.

Manifestações Clínicas
         O quadro clínico de pacientes com pancreatite aguda geralmente apresenta-se em dois grupos: um com resolução rápida, em torno de uma semana; e outro com tratamento complicado, durando meses e marcado por intercorrências que podem levar ao desenvolvimento de sequelas ou à morte do indivíduo. Os sinais e sintomas apresentados são, geralmente, dor abdominal, aparecendo na região do epigástrio e irradiando para a porção média do dorso e de duração prolongada; náuseas; e vômito, devido à compressão duodenal pelo pâncreas edemaciado. Outros achados que podem ser observados no exame do paciente pode ser a ausência de sons intestinais ausentes ou diminuídos, frutos de paralisia do íleo pela disseminação do processo inflamatório ao mesentério do intestino delgado e cólon; uma possível icterícia devido a uma possível compressão do ducto colédoco pelo pâncreas com volume aumentado; febre, fruto do estabelecimento do quadro inflamatório com liberação de fatores pró-inflamatórios; hipotensão; taquicardia; taquipneia; necrose da gordura subcutânea; áreas endurecidas; eritema e grandes equimoses nos flancos (sinal de Grey Turner) ou na área umbilical (sinal de Cullen), causadas pelo sangue localizado retroperitonealmente no pâncreas e nos planos fasciais.
Cullen                                             Grey-Turner
Diagnóstico laboratorial
Exame de sangue
         Baseado na observação de alterações nos níveis séricos de: a) amilase, que encontram-se em torno de três a quatro vezes aumentados, na maioria dos casos, principalmente nas 2 a 12 horas iniciais do processo; b) lipase, que apresentam-se aumentados em paralelo com os níveis de amilase e pode manter-se aumentado por mais tempo; c) glicose, que apresenta-se em níveis transitoriamente aumentados; d) bilirrubina, fruto da compressão do ducto colédoco pelo pâncreas. Além de poder afetar os níveis de albumina, causando hipoalbuminemia pelo extravasamento dessa proteína plasmática pelas superfícies peritoneais inflamadas.
Exame de urina
         Aumento na concentração de amilase e creatinina
Exames de imagem
         Pode-se utilizar para o diagnóstico de pancreatite exames como: a) ultrassonografia, através do qual é possível identificar a colelitíase (possível causador da pancreatite) além de poder visualizar-se o pâncreas com característica hipoecoica, devido ao quadro inflamatório; b) tomografia computadorizada, o qual é o método mais utilizado para observar-se a extensão dos danos locais da pancreatite, a partir da visualização do aumento do pâncreas e da dificuldade de perfusão pancreática do contraste, sugerindo pancreatite necrosante.

Fig 1. necrose de 50% do corpo e cauda do pâncreas
                                                     
Tratamento
          O tratamento direto para a pancreatite aguda é incerto. Não há uma terapia que haja comprovadamente de forma direta da inflamação pancreática. Assim, a base terapêutica se dá através da manutenção do equilíbrio hídrico e a monitoração dos sinais dos pacientes assim como a observação de possíveis complicações do seu quadro para formais mais agressivas como a pancreatite necrosante. Além disso, faz-se a utilização de analgésicos para o controle da dor; alimentação por sonda nasogástrica em caso de vômito e íleo adinâmico. Em casos de pancreatite causada por colelitíase, a colecistectomia pode ser indicada para evitar reincidência. Não se faz necessário o uso de antibióticos em casos de pancreatite aguda leve.
Epidemiologia
          Apresenta incidência em torno de um a cinco casos a cada dez mil habitantes por ano. Apresentando-se mais frequentemente associada ao alcoolismo e a doenças das vias biliares.

Pancreatite Crônica
        
        Doença inflamatória, com resultante degeneração fibrótica, que tem progressão frequente e de grau irreversível do parênquima pancreático. Com o passar de muitos anos, as células do parênquima hepático, como células acinares e as ilhotas de Langerhans vão atrofiando e perdendo a sua principal função.
        A doença possui um grau amplamente heterogêneo de progressão, podendo acometer porções diferentes do pâncreas. Episódios de pancreatite aguda podem acometer ao longo da doença crônica.

Patologia
         Como toda classificação crônica, encontramos áreas acometidas com um infiltrado de linfócitos e plasmócitos, assim como eosinófilos. O caráter degenerativo da doença é percebido na presença de fibrose periductal e periacinar, assim como a atrofia de algumas células acinares e ilhotas de Langerhans. A falta de secreção normal de proteínas específicas que inibem a formação dos cálculos já foi formulada como causa da pancreatite.

Classificação
        Existem três tipos clínico-patológicos de pancreatite crônica, segundo o Simpósio de Marselha-Roma (1988):
       Pancreatite Calcificante Crônica: Mais comum e contém de Cálculos Pancreáticos que podem obliterar pequenas e grandes vias ductais pancreáticas. Grau de acometimento irregular e variado. O ducto principal pode estar dilatado em alguns pacientes e a sua causa principal é o etilismo.
    Pancreatite Obstrutiva Crônica: Menos comum e ocorre obliteração do ducto pancreático principal. Há atrofia e fibrose difusa e uniforme. A causa mais comum é tumor intraductal (adenocarcinoma), podendo ser originado também da estenose ductal e do pâncreas divisum.
     Pancreatite inflamatória crônica: Não apresenta os “plugs” ductais e não oblitera o ducto principal. Ocorre em alguma doenças auto-imunes, como a síndrome de Sjogren. É um tipo raro.

Fisiopatologia
       O mecanismo fisiopatológico da pancreatite ainda não é plenamente estabelecido.  A sua causa mais comum, a alcoólica, induz a formação de um suco pancreático “litogênico”, isto é, bastante proteico, com pouco inibidor da tripsina. Assim ocorreria a formação de plugs proteicos que obstruiriam pequenos ductulos, ativando enzimas pancreáticas e promovendo um processo inflamatório. Outros mecanismos potencialmente envolvidos, uma vez que a causa é multifatorial, incluem:
                   1)  Isquemia Tissular: Gerada pela hipertensão ductal, contribuiria para a perpetuação das lesões degenerativas.
        2) Estresse Oxidativo: Pela superprodução hepática de radicais livres, que em decorrência do refluxo biliar ou pela circulação sistêmica resultaria em inflamação recorrente e dano tecidual. A deficiência orgânica de substancias antioxidantes também é um agravante, dado ao grau de desnutrição, principalmente em etilistas crônicos.
        3) Efeito Toxico Metabólico: o álcool produziria acúmulo de gordura em células pancreáticas, ocasionando degeneração gordurosa.
           4) Fenômenos Autoimunes: vários casos relatam a pancreatite crônica idiopática à autoanticorpos circulantes.
       A pancreatite crônica evolui em fase mais avançada de doença para a insuficiência pancreática. Esta pode ser exócrina e/ou endócrina. A insuficiência exócrina leva a uma síndrome de má digestão de alimentos, causando esteatorreia e desnutrição proteica. A insuficiência endócrina gera diabetes mellitus.

Etiologia
       Em cerca de 70% dos casos o álcool está na base do aparecimento desta doença. Sabe-se hoje que há alterações genéticas que facilitam o aparecimento de algumas formas de pancreatite crônica, tornando o órgão mais sensível à atuação de factores lesivos. Há pancreatites hereditárias e pancreatites causadas por doenças metabólicas e formas auto imunes. Nas crianças a causa mais frequente é a fibrose quística, que tem como base alterações genéticas.

Diagnóstico
        O diagnóstico é feito na clínica e confirma-se com exames complementares de diagnóstico. Os mais utilizados são os chamados “métodos de imagem”, desde a simples radiografia simples do abdome onde se detectam facilmente as calcificações pancreáticas como a ecografia, TAC . Eco endoscopia (ecografia realizada a partir do estomago com um ecógrafo instalado na ponta do endoscópio). Cada um destes exames tem a sua indicação. Existem igualmente provas que ajudam a definir o grau de incapacidade funcional do órgão.
  
Tratamento
      A principal consequência clínica da insuficiência exócrina pancreática é a má digestão de gorduras e a esteatorreia. Isto se deve, em parte, ao fato da lipase ser a enzima pancreática mais instável durante o trânsito no trato gastrointestinal, decorrente de sua alta sensibilidade à proteólise e ao pH ácido frequentemente observado no duodeno e jejuno de pacientes com insuficiência exócrina pancreática, os quais apresentam hipossecreção de bicarbonato pancreático. O tratamento da insuficiência exócrina pancreática se baseia na administração oral de enzimas pancreáticas, visando fornecer uma quantidade suficiente de lipase ativa no lúmen duodenal por ocasião do esvaziamento gástrico dos nutrientes e, assim, evitar deficiências nutricionais potencialmente relevantes (por exemplo, de micronutrientes, vitaminas lipossolúveis, pré-albumina e lipoproteínas). Encontra-se indicado em todo paciente com insuficiência exócrina pancreática e má digestão de gorduras, independente da magnitude da esteatorreia e da presença ou não de sintomas associados.
O tratamento da dor abdominal é feito por meio de analgésicos. Há várias classes destes medicamentos que devem ser adaptados ao tipo e intensidade da doença. Por vezes o tratamento com enzimas pancreáticas ajuda igualmente a reduzir as queixas dolorosas. Em algumas situações a dor é de tal forma incapacitante que há necessidade de recorrer a métodos mais invasivos (ex: métodos endoscópicos, bloqueio do plexo celíaco).

Referências Bibliográficas:
  1. Frulloni L, Gabbrielli A, Pezzilli R, et al. Chronic pancreatitis: report from a multicenter Italian survey (PanCroInfAISP) on 893 patients. Dig Liv Dis 2009 41311-317.
2. Ammann RW, Muellhaupt B. The natural history of pain in alcoholic chronic pancreatitis. Gastroenterology 1999116:1132-1140.
3. Chebli JM, Gaburri PD, de Souza AF, et al. Internal pancreatic fistulas: proposal of a management algorithm based on a case series analysis. J Clin Gastroenterol 200438:795-800.
4. Chebli JM, de Souza AF, Gaburri PD, et al. Prevalence and pathogenesis of duodenal ulcer in chronic alcoholic pancreatitis. J Clin Gastroenterol 2002 35:71-74.
5. Guarita DR, Felga GEG, Pedroso MRA, Mott CB. Provas de função pancreática. In: Moraes-Filho JPP. Tratado das enfermidades gastrintestinais e pancreáticas. Editora Roca, 2008. 1ª Edição. 459-464.
6. http://www.gesepfepar.com/semiologia/gastroenterologia/pancreatite-2.pdf
7. http://www.fbg.org.br/Conteudo/196/0/Pancreatite
8. https://www.passeidireto.com/arquivo/4403237/funcao-gastrointestinal-e-pancreatica---bioquimica-clinica---resumo
9 .José Sebastião dos Santos1; Jorge Elias Júnior2; Sandro Scarpelini1 & Ajith K. Sankarankutty1 Pancreatite aguda: atualização de conceitos e condutas. Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS DIGESTIVAS
36: 266-282, abr./dez. 2003.
10. AUSIELLO, D & GOLDMAN, L. Cecil - Tratado de Medicina Interna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.



2 comentários:

  1. Muio bem! Bastante completo o post de vocês. Gostei principalmente da parte dos sinais e sintomas, com porcentagen de ocorrência. Estou pesquisando pra atualizar nosso website sobre pancretite e vou me valer da bibliografia indicada. Obrigada e parabéns.

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