Introdução
Em
sua origem etimológica o termo Xerostomia advém do grego, a partir da
junção de duas palavras: Xeros e Stoma, as quais se referem,
respectivamente, a seco e boca. Assim, essa condição patológica está associada
a sensação de secura bucal, que, por sua vez, pode ser subjetiva, resultar de
certas doenças ou ser efeito secundário ao uso de alguns medicamentos.
A xerostomia
de ordem subjetiva está associada a fatores psicológicos e pode não apresentar
evidências de alterações no fluxo salivar. Entre esses fatores, estresse,
ansiedade e depressão são os mais associados ao sintoma de boca seca. Quando há
alteração de fluxo salivar, há o acometimento da secreção da glândula parótida,
a qual é dependente do estado emocional (Bergdahl et al, 2000; Gemba,
et al, 1996).
Em
meio às doenças associadas a Xerostomia, as que acometem diretamente as
glândulas salivares, como a síndrome de Sjogren, diabetes melito, e as
que envolvem tratamentos como radiação de cabeça e pescoço e quimioterapia são
as mais reportadas pela literatura (Bergdahl
et al, 2000; Korn, 2002, Pereira et al, 2012).
Quanto ao uso de medicamentos, a
Xerostomia está associada ao uso de drogas de ação simpaticomimética, como
descongestionantes nasais e moderadores de apetite, por exemplo, aos fármacos
de ação anticolinérgica, exemplificados pelos antidepressivos
tricíclicos e anti-histamínicos e a outras drogas como Lítio, Omeprazol,
Inibidores de protease, Oxibutinina e Disopiramida (Fávaro, et al,
2006).
Há
três pares de glândulas salivares maiores, parótidas, submandibulares e
sublinguais, elas são glândulas tubuloalveolares ramificadas de cuja cápsula de
tecido conjuntivo partem septos, que as subdividem em lobos e lóbulos. Os
ácinos individuais também estão envolvidos por delgados elementos de tecido
conjuntivo. Além dessas, existem inúmeras glândulas salivares menores
espalhadas por toda a túnica mucosa e submucosa oral. Aproximadamente, 0,5 L de
saliva é secretado por dia. As taxas de fluxo salivar são tipicamente de 0,3
mL/min, quando não estimuladas, e aumentam para 1,5-2 mL/min quando
estimuladas. A taxa de fluxo á insignificante durante o sono. No estado não
estimulado, a glândula parótida contribui com 20%, a glândula submandibular com
65% e as glândulas sublinguais e salivares menores com 15% da produção diária
de saliva. Quando estimulada, a contribuição da parótida sobe para 50%.
(Gray’s, 2009; Gartner, 2007)
No
que se refere à histofisiologia, a excitação dos nervos simpáticos ou
parassimpáticos das glândulas estimula a secreção salivar, mas os efeitos dos
nervos parassimpáticos são mais acentuados e mais duradouros. O estímulo
parassimpático produz saliva de baixa concentração de proteínas, enquanto o
simpático produz pouca saliva, porém com alta concentração de proteínas, o que
pode causar sensação de secura bucal (Guyton, 2006).
Este
artigo tem por escopo realizar uma breve revisão de literatura acerca da
condição patológica Xerostomia, sendo abordados aspectos etiológicos,
requisitos necessários para a realização de diagnóstico, tratamentos vigentes e
métodos preventivos.
Etiologia
A
xerostomia pode resultar de três causas básicas:
a) Fatores que afetam o centro salivar: emoções, jejum
frequente, Doença de Parkinson, menopausa;
b) Fatores que alteram a secreção salivar: como as
encefalites, tumores cerebrais, tabagismo, bem como muitos fármacos (cerca de
400).
c) Alterações na função da própria glândula, tais
como: obstrução, infecções, tumores, excisão das glândulas, cálculos, doenças
auto-imunes( Síndrome Sjorgren) e radioterapia.
A
xerostomia nos idosos não é uma condição fisiológica, mas sim uma consequência
de uma patologia ou um efeito secundário à medicação. A etiologia da xerostomia
é variada e deve-se na maioria dos casos ao uso de medicação.
Medicação
A
xerostomia é um efeito secundário bastante comum a muitos medicamentos, sendo a
sua utilização a principal causa. Uma vez que são os idosos que mais necessitam
de medicação, estes ficam mais vulneráveis aos seus efeitos secundários, e o
risco de desenvolverem xerostomia aumenta com o número de medicamentos tomados
(Guggenheimer & Moore, 2003; Turner & Ship, 2007).
Os
medicamentos podem ter vários tipos de ação no organismo, tanto podem ter um
efeito simpaticomimético ou anticolinérgico. Para causarem hiposalivação, os
medicamentos têm que diminuir os neurotransmissores acetilcolina e
noradrenalina. A estimulação do parassimpático aumenta o volume de saliva
enquanto a estimulação do simpático afeta principalmente a composição salivar.
A maioria
dos medicamentos são fármacos que têm efeitos anticolinérgicos, ou seja que
inibem a ligação dos neurotransmissores aos receptores das membranas das
glândulas salivares, ou afetam o transporte de íons nos ácinos podendo alterar
a qualidade e a quantidade de fluxo salivar produzido. Os que apresentam mais
tendência a produzir tal efeito, são anti-depressivos tricíclicos,
benzodiazepinas, anti-histamínicos, anti-hipertensores (α e ß bloqueadores, diuréticos,
inibidores dos canais de cálcio, inibidores da enzima conversora da
angiotensina (IECA), agentes anti-parkinsonianos, analgésicos,
anti-convulsiovantes, anti-eméticos, diuréticos, anti-psicóticos, entre outros.
(Gallardo, 2008; Guggenheimer & Moore, 2003; Aps & Martens, 2005).
Síndrome
de Sjögren
A síndrome de Sjögren, descrita pelo
oftalmologista sueco Henrik Sjögren, é uma doença crônica, multi-sistêmica,
auto-imune, ou seja, é uma resposta do corpo contra as suas próprias células. É
a segunda doença mais comum do tecido conjuntivo.
A síndrome de Sjögren afecta
principalmente as glândulas salivares e lacrimais, mas também outras glândulas
exócrinas nomeadamente, o pâncreas, as glândulas sudoríparas, as glândulas das
mucosas gastrointestinais, respiratórias e urogenitais (Felberg & Dantas,
2006).
A síndrome de Sjögren (SSj) é
caracterizada por Diagnóstico e Tratamento da Xerostomia e por xeroftalmia ou
ceratoconjuntivite seca, proveniente da autodestruição das glândulas lacrimais
e salivares.
A xerostomia ocorre devido a existência
de um infiltrado linfócitário que destrói a maioria dos ácinos presentes nas
glândulas salivares diminuindo assim o fluxo salivar. A mastigação, a fala e a
deglutição ficam deste modo bastante comprometidas, levando ao aparecimento de
lesões de cárie, de doença periodontal e de candidíase oral. É recorrente, em
cerca 50% destes pacientes, pode existir um aumento do volume das duas
glândulas parótidas.
FIGURA 1- A) Corte histológico de
glândula salivar menor de paciente com SSj mostrando dilatação ductal leve
(seta), ácinos de aparência normal e preservação da arquitetura glandular
(100x). B) Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com SSj onde
se observa um infiltrado linfoplasmocitário moderado e ácinos de aparência
normal (100x). C) Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com
SSj mostrando infiltrado linfoplasmocitário formando agregado (seta), dilatação
e proliferação ductal, destruição dos ácinos e presença de edema (100x). D)
Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com SSj onde se observa
infiltração gordurosa, dilatação ductal e acentuada proliferação de ductos, com
ausência quase completa de ácinos (100x). E) Corte histológico de glândula
salivar menor de paciente com SSj mostrando um foco linfoplasmocitário (seta),
infiltração inflamatória difusa do parênquima glandular, dilatação ductal,
diminuição de ácinos e infiltração gordurosa (100x). F) Corte histológico de
glândula salivar menor de paciente com SSj onde se observa foco
linfoplasmocitário com arranjo folicular, com centro germinativo bem desenvolvido
formando verdadeiro folículo linfóide (400x).
Radioterapia
da Cabeça e do Pescoço
A radioterapia é uma das terapias mais
utilizadas no tratamento de câncer de cabeça e pescoço. Consiste na
administração de uma dose de radiação nos tecidos neoplásicos que acaba também
por afetar tecidos sãos. Contudo, apesar de ter efeitos benéficos na progressão
do câncer e de ser um método não invasivo, esta pode causar efeitos secundários
severos e até permanentes no que se refere a cavidade oral, nomeadamente, na mucosa
oral e nas glândulas salivares. As células da mucosa oral, por possuírem alta
capacidade mitótica e baixa radio-resistência, são susceptíveis a alterações, e
por esta razão, é que cerca de 90% dos pacientes com neoplasias de cabeça e
pescoço apresentam complicações orais.
Através da excessiva dose de radiação,
ocorre uma destruição dos ácinos por apoptose tornando as glândulas atróficas e
fibróticas. Assim, há uma redução na secreção de fluxo salivar e um consequente
desconforto ao paciente, em função da Xerostomia.
Outras
Causas
Outra causa associada à xerostomia, é a
desidratação, isso se deve a uma entrada insuficiente de fluidos ou a uma perda
exagerada devido a vômitos, diarreia, poliúria ou incontinência. A cafeína e o
álcool atuam como diuréticos podendo levar também a esta condição. Causas mais
raras de anomalias congênitas, como aplasia ou agenésia das glândulas também
podem contribuir para a xerostomia. Além disso, o fluxo salivar pode também ser
afetado por obstruções, sialolitíases, infecções, sialoadenites ou estenoses de
condutos.
Outras patologias que estão associadas à
xerostomia são a sarcoidose, a fibrose cística, hepatite C (HCV), vírus da
imunodeficiência humana (HIV), síndrome de ardência bucal, doenças crónicas
auto-imunes, disfunções hormonais (tiróide e diabetes descontrolada), doenças
neurológicas (parkinson, paralisia cerebral, paralisia facial), estresse,
ansiedade e depressão.
Diagnóstico
Avaliação da História Clínica
Faz-se
através da observação de sinais clínicos. Entre os mais importantes contam-se:
a não acumulação de saliva no pavimento da boca, os lábios secos, a textura
alterada (saliva branca, espumosa, fibrosa ou pegajosa), a recorrência de
candidíase oral, a glossite atrófica, a persistência de cáries do colo dentário,
as erosões ou abrasões dentárias, a dor crónica ou ardência, o mau sabor e a
dificuldade em falar e deglutir, e a sensação de areia nos dentes. São
suficientes quatro destes sintomas para presunção de xerostomia.
Perguntas
como, saber se o doente tem necessidade de molhar a boca, especialmente de
noite, se consegue comer uma bolacha sem beber água, se a língua se cola ao
céu-da-boca, se ao mastigar a comida esta adere aos dentes, podem contribuir
para a avaliação clínica.
Exames Complementares de
Diagnóstico
Atualmente
são numerosos os procedimentos e métodos utilizados no diagnóstico de
patologias. Contudo, os mais utilizados no diagnóstico de patologias salivares
são a sialometria, permitindo quantificar o fluxo salivar, a sialografia, a
biópsia das glândulas salivares e a cintilografia.
Tratamento da Xerostomia
O
tratamento da xerostomia depende da causa e do grau de destruição das glândulas
salivares, assim compromete a abordagem etiológica, estimulante, sintomática ou
paliativa. O objetivo do tratamento passa por aliviar o desconforto causado
pela sensação de boca seca e manter a cavidade hidratada. Os substitutos
salivares devem ser utilizados sempre que necessário com o propósito de impedir
que os sintomas se agravem e que as mucosas se deteriorem. É necessário saber
se o estado de destruição glandular para poder optar pela melhor abordagem.
O tratamento
da boca seca costuma ter bons resultados em cerca de 70% dos casos de
hipossalivação. Entretanto,
para se atingir bons resultados, diferentes métodos de tratamentos devem ser
associados. O primeiro passo é avaliar
o grau de comprometimento da função das glândulas salivares. Em função de um maior ou menor
comprometimento da produção de saliva, diferentes abordagens terapêuticas serão
associadas para a obtenção dos melhores resultados possíveis.
As abordagens
terapêuticas para a estimulação da produção de saliva serão:
Estímulos mastigatórios: o uso da mastigação é um estímulo normal
e fisiológico para aumentar a salivação, consistindo numa forma de estimulação
natural à função das glândulas salivares. Pode-se obter um bom resultado
aumentando o consumo de alimentos mais consistentes e ricos em fibras, criando
o hábito de mastigá-los bem, para estimular a produção salivar. Além disso,
como forma auxiliar de tratamento, o uso de dispositivos de silicone (sialogogos
mecânicos marca Halitus ou
Hiperbolóide) e uso de goma de mascar sem açúcar são os mais frequentemente
utilizados.
Estímulos gustatórios: devem ser utilizados com cautela em Pacientes que tenham
queixa de sensibilidade dentinária ou mucosa bucal desidratada e irritada.
Pode-se utilizar alimentos levemente azedos que aumentem a produção de saliva
como a ameixa umeboshi (a venda em lojas de produtos naturais, macrobióticos de
culinária japonesa), frutas Cítricas, gotas de limão sobre a língua, balas e
mentas e pastilhas estimulantes salivares: Salivix, Provalis (a venda na
Inglaterra).
Estímulos farmacológicos: A pilocarpina é o sialogogo farmacológico mais estudado e
mais utilizado em todo o mundo, por isso, é a droga de primeira escolha para o
tratamento da hipofunção das glândulas salivares. Deve ser prescrita por um
profissional habituado ao seu uso, que fará uma avaliação se o Paciente não tem
contra-indicações ao uso da droga e se esta produz um aumento significativo na
produção de saliva que justifique a sua utilização, sem efeitos colaterais.
Existem outras drogas também
utilizadas para esta finalidade como o Betanecol (valem as mesmas recomendações
acima), que ainda tem poucos estudos sob sua eficácia e no exterior encontramos
medicações que produzem bons resultados como a Cevimelina (Evoxac), mas com
custo pouco acessível à realidade brasileira.
Estímulos elétricos: Utiliza-se o TENS (Transcutaneous electrical nerve
stimulation) com bons resultados, devendo ser aplicado por um profissional
capacitado. São contra-indicados para pacientes portadores de marca-passo,
pacientes com história de herpes-zoster (na área do nervo trigêmeo), aplicação
em áreas com pouca sensibilidade e em pacientes com epilepsia.
Tratamento e orientação comportamental: muitos pacientes têm o hábito de beber pouco líquido, de
utilizar substâncias que ajudam a piorar a secura bucal (tabaco, maconha,
etc.), são vítimas de um estresse crônico que afeta os padrões salivares, entre
outras causas. Assim, é fundamental orientar mudanças de hábitos e buscar ajuda
profissional especializada para minimizar os danos que tais comportamentos
produzem na produção salivar. Além disso, muitas vezes o Paciente utiliza
medicações que diminuem a produção de saliva como efeito colateral. Nesse
sentido, o Paciente poderá adotar condutas para diminuir ou parar o uso destas
medicações em um médio prazo, desde que com acompanhamento profissional,
ajudando a recuperar uma salivação adequada.
Acupuntura: diversos estudos apontam a melhoria dos padrões salivares
através do uso da acupuntura, tanto através da estimulação direta dos pontos
responsáveis pelo equilíbrio das funções das glândulas salivares como pelo equilíbrio
do paciente como um todo, diminuindo seu estresse e ansiedade, o que colabora
para restabelecer um fluxo salivar melhor.
Outras abordagens promissoras: o uso do Laser de baixa potência e a homeopatia são 2
áreas que prometem trazer bons resultados, mas são necessários ainda mais
estudos que comprovem sua eficácia no tratamento da boca seca.
O tratamento futuro para algumas das
doenças das glândulas salivares pode demandar o uso da terapia genética e
engenharia tissular. Porém, no presente momento, a necessidade maior é a
compreensão das causas e patogênese das doenças das glândulas salivares antes
que terapias específicas possam ser estabelecidas.
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