sábado, 25 de março de 2017

[CC #4]: XEROSTOMIA



Introdução

            Em sua origem etimológica o termo Xerostomia advém do grego, a partir da junção de duas palavras: Xeros e Stoma, as quais se referem, respectivamente, a seco e boca. Assim, essa condição patológica está associada a sensação de secura bucal, que, por sua vez, pode ser subjetiva, resultar de certas doenças ou ser efeito secundário ao uso de alguns medicamentos. 
            A xerostomia de ordem subjetiva está associada a fatores psicológicos e pode não apresentar evidências de alterações no fluxo salivar. Entre esses fatores, estresse, ansiedade e depressão são os mais associados ao sintoma de boca seca. Quando há alteração de fluxo salivar, há o acometimento da secreção da glândula parótida, a qual é dependente do estado emocional (Bergdahl et al, 2000; Gemba, et al, 1996).
            Em meio às doenças associadas a Xerostomia, as que acometem diretamente as glândulas salivares, como a síndrome de Sjogren, diabetes melito, e as que envolvem tratamentos como radiação de cabeça e pescoço e quimioterapia são as mais reportadas pela literatura (Bergdahl et al, 2000; Korn, 2002, Pereira et al, 2012).
            Quanto ao uso de medicamentos, a Xerostomia está associada ao uso de drogas de ação simpaticomimética, como descongestionantes nasais e moderadores de apetite, por exemplo, aos fármacos de ação anticolinérgica, exemplificados pelos antidepressivos tricíclicos e anti-histamínicos e a outras drogas como Lítio, Omeprazol, Inibidores de protease, Oxibutinina e Disopiramida (Fávaro, et al, 2006).
            Há três pares de glândulas salivares maiores, parótidas, submandibulares e sublinguais, elas são glândulas tubuloalveolares ramificadas de cuja cápsula de tecido conjuntivo partem septos, que as subdividem em lobos e lóbulos. Os ácinos individuais também estão envolvidos por delgados elementos de tecido conjuntivo. Além dessas, existem inúmeras glândulas salivares menores espalhadas por toda a túnica mucosa e submucosa oral. Aproximadamente, 0,5 L de saliva é secretado por dia. As taxas de fluxo salivar são tipicamente de 0,3 mL/min, quando não estimuladas, e aumentam para 1,5-2 mL/min quando estimuladas. A taxa de fluxo á insignificante durante o sono. No estado não estimulado, a glândula parótida contribui com 20%, a glândula submandibular com 65% e as glândulas sublinguais e salivares menores com 15% da produção diária de saliva. Quando estimulada, a contribuição da parótida sobe para 50%. (Gray’s, 2009; Gartner, 2007)
            No que se refere à histofisiologia, a excitação dos nervos simpáticos ou parassimpáticos das glândulas estimula a secreção salivar, mas os efeitos dos nervos parassimpáticos são mais acentuados e mais duradouros. O estímulo parassimpático produz saliva de baixa concentração de proteínas, enquanto o simpático produz pouca saliva, porém com alta concentração de proteínas, o que pode causar sensação de secura bucal (Guyton, 2006).
            Este artigo tem por escopo realizar uma breve revisão de literatura acerca da condição patológica Xerostomia, sendo abordados aspectos etiológicos, requisitos necessários para a realização de diagnóstico, tratamentos vigentes e métodos preventivos.
             
Etiologia

A xerostomia pode resultar de três causas básicas:
a) Fatores que afetam o centro salivar: emoções, jejum frequente, Doença de Parkinson, menopausa;
b) Fatores que alteram a secreção salivar: como as encefalites, tumores cerebrais, tabagismo, bem como muitos fármacos (cerca de 400).
c) Alterações na função da própria glândula, tais como: obstrução, infecções, tumores, excisão das glândulas, cálculos, doenças auto-imunes( Síndrome Sjorgren) e radioterapia.
            A xerostomia nos idosos não é uma condição fisiológica, mas sim uma consequência de uma patologia ou um efeito secundário à medicação. A etiologia da xerostomia é variada e deve-se na maioria dos casos ao uso de medicação.

Medicação

A xerostomia é um efeito secundário bastante comum a muitos medicamentos, sendo a sua utilização a principal causa. Uma vez que são os idosos que mais necessitam de medicação, estes ficam mais vulneráveis aos seus efeitos secundários, e o risco de desenvolverem xerostomia aumenta com o número de medicamentos tomados (Guggenheimer & Moore, 2003; Turner & Ship, 2007).
Os medicamentos podem ter vários tipos de ação no organismo, tanto podem ter um efeito simpaticomimético ou anticolinérgico. Para causarem hiposalivação, os medicamentos têm que diminuir os neurotransmissores acetilcolina e noradrenalina. A estimulação do parassimpático aumenta o volume de saliva enquanto a estimulação do simpático afeta principalmente a composição salivar.
A maioria dos medicamentos são fármacos que têm efeitos anticolinérgicos, ou seja que inibem a ligação dos neurotransmissores aos receptores das membranas das glândulas salivares, ou afetam o transporte de íons nos ácinos podendo alterar a qualidade e a quantidade de fluxo salivar produzido. Os que apresentam mais tendência a produzir tal efeito, são anti-depressivos tricíclicos, benzodiazepinas, anti-histamínicos, anti-hipertensores (α e ß bloqueadores, diuréticos, inibidores dos canais de cálcio, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), agentes anti-parkinsonianos, analgésicos, anti-convulsiovantes, anti-eméticos, diuréticos, anti-psicóticos, entre outros. (Gallardo, 2008; Guggenheimer & Moore, 2003; Aps & Martens, 2005).

Síndrome de Sjögren

A síndrome de Sjögren, descrita pelo oftalmologista sueco Henrik Sjögren, é uma doença crônica, multi-sistêmica, auto-imune, ou seja, é uma resposta do corpo contra as suas próprias células. É a segunda doença mais comum do tecido conjuntivo.
A síndrome de Sjögren afecta principalmente as glândulas salivares e lacrimais, mas também outras glândulas exócrinas nomeadamente, o pâncreas, as glândulas sudoríparas, as glândulas das mucosas gastrointestinais, respiratórias e urogenitais (Felberg & Dantas, 2006).
A síndrome de Sjögren (SSj) é caracterizada por Diagnóstico e Tratamento da Xerostomia e por xeroftalmia ou ceratoconjuntivite seca, proveniente da autodestruição das glândulas lacrimais e salivares.
A xerostomia ocorre devido a existência de um infiltrado linfócitário que destrói a maioria dos ácinos presentes nas glândulas salivares diminuindo assim o fluxo salivar. A mastigação, a fala e a deglutição ficam deste modo bastante comprometidas, levando ao aparecimento de lesões de cárie, de doença periodontal e de candidíase oral. É recorrente, em cerca 50% destes pacientes, pode existir um aumento do volume das duas glândulas parótidas.





FIGURA 1- A) Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com SSj mostrando dilatação ductal leve (seta), ácinos de aparência normal e preservação da arquitetura glandular (100x). B) Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com SSj onde se observa um infiltrado linfoplasmocitário moderado e ácinos de aparência normal (100x). C) Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com SSj mostrando infiltrado linfoplasmocitário formando agregado (seta), dilatação e proliferação ductal, destruição dos ácinos e presença de edema (100x). D) Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com SSj onde se observa infiltração gordurosa, dilatação ductal e acentuada proliferação de ductos, com ausência quase completa de ácinos (100x). E) Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com SSj mostrando um foco linfoplasmocitário (seta), infiltração inflamatória difusa do parênquima glandular, dilatação ductal, diminuição de ácinos e infiltração gordurosa (100x). F) Corte histológico de glândula salivar menor de paciente com SSj onde se observa foco linfoplasmocitário com arranjo folicular, com centro germinativo bem desenvolvido formando verdadeiro folículo linfóide (400x).

Radioterapia da Cabeça e do Pescoço

A radioterapia é uma das terapias mais utilizadas no tratamento de câncer de cabeça e pescoço. Consiste na administração de uma dose de radiação nos tecidos neoplásicos que acaba também por afetar tecidos sãos. Contudo, apesar de ter efeitos benéficos na progressão do câncer e de ser um método não invasivo, esta pode causar efeitos secundários severos e até permanentes no que se refere a cavidade oral, nomeadamente, na mucosa oral e nas glândulas salivares. As células da mucosa oral, por possuírem alta capacidade mitótica e baixa radio-resistência, são susceptíveis a alterações, e por esta razão, é que cerca de 90% dos pacientes com neoplasias de cabeça e pescoço apresentam complicações orais.
Através da excessiva dose de radiação, ocorre uma destruição dos ácinos por apoptose tornando as glândulas atróficas e fibróticas. Assim, há uma redução na secreção de fluxo salivar e um consequente desconforto ao paciente, em função da Xerostomia.

Outras Causas

Outra causa associada à xerostomia, é a desidratação, isso se deve a uma entrada insuficiente de fluidos ou a uma perda exagerada devido a vômitos, diarreia, poliúria ou incontinência. A cafeína e o álcool atuam como diuréticos podendo levar também a esta condição. Causas mais raras de anomalias congênitas, como aplasia ou agenésia das glândulas também podem contribuir para a xerostomia. Além disso, o fluxo salivar pode também ser afetado por obstruções, sialolitíases, infecções, sialoadenites ou estenoses de condutos.
Outras patologias que estão associadas à xerostomia são a sarcoidose, a fibrose cística, hepatite C (HCV), vírus da imunodeficiência humana (HIV), síndrome de ardência bucal, doenças crónicas auto-imunes, disfunções hormonais (tiróide e diabetes descontrolada), doenças neurológicas (parkinson, paralisia cerebral, paralisia facial), estresse, ansiedade e depressão.

Diagnóstico

Avaliação da História Clínica
Faz-se através da observação de sinais clínicos. Entre os mais importantes contam-se: a não acumulação de saliva no pavimento da boca, os lábios secos, a textura alterada (saliva branca, espumosa, fibrosa ou pegajosa), a recorrência de candidíase oral, a glossite atrófica, a persistência de cáries do colo dentário, as erosões ou abrasões dentárias, a dor crónica ou ardência, o mau sabor e a dificuldade em falar e deglutir, e a sensação de areia nos dentes. São suficientes quatro destes sintomas para presunção de xerostomia.
Perguntas como, saber se o doente tem necessidade de molhar a boca, especialmente de noite, se consegue comer uma bolacha sem beber água, se a língua se cola ao céu-da-boca, se ao mastigar a comida esta adere aos dentes, podem contribuir para a avaliação clínica.

Exames Complementares de Diagnóstico

Atualmente são numerosos os procedimentos e métodos utilizados no diagnóstico de patologias. Contudo, os mais utilizados no diagnóstico de patologias salivares são a sialometria, permitindo quantificar o fluxo salivar, a sialografia, a biópsia das glândulas salivares e a cintilografia.

Tratamento da Xerostomia

O tratamento da xerostomia depende da causa e do grau de destruição das glândulas salivares, assim compromete a abordagem etiológica, estimulante, sintomática ou paliativa. O objetivo do tratamento passa por aliviar o desconforto causado pela sensação de boca seca e manter a cavidade hidratada. Os substitutos salivares devem ser utilizados sempre que necessário com o propósito de impedir que os sintomas se agravem e que as mucosas se deteriorem. É necessário saber se o estado de destruição glandular para poder optar pela melhor abordagem.
      O tratamento da boca seca costuma ter bons resultados em cerca de 70% dos casos de hipossalivação.  Entretanto, para se atingir bons resultados, diferentes métodos de tratamentos devem ser associados.  O primeiro passo é avaliar o grau de comprometimento da função das glândulas salivares. Em função de um maior ou menor comprometimento da produção de saliva, diferentes abordagens terapêuticas serão associadas para a obtenção dos melhores resultados possíveis.
   
 As abordagens terapêuticas para a estimulação da produção de saliva serão:

Estímulos mastigatórios: o uso da mastigação é um estímulo normal e fisiológico para aumentar a salivação, consistindo numa forma de estimulação natural à função das glândulas salivares. Pode-se obter um bom resultado aumentando o consumo de alimentos mais consistentes e ricos em fibras, criando o hábito de mastigá-los bem, para estimular a produção salivar. Além disso, como forma auxiliar de tratamento, o uso de dispositivos de silicone (sialogogos mecânicos marca Halitus ou Hiperbolóide) e uso de goma de mascar sem açúcar são os mais frequentemente utilizados. 

Estímulos gustatórios: devem ser utilizados com cautela em Pacientes que tenham queixa de sensibilidade dentinária ou mucosa bucal desidratada e irritada. Pode-se utilizar alimentos levemente azedos que aumentem a produção de saliva como a ameixa umeboshi (a venda em lojas de produtos naturais, macrobióticos de culinária japonesa), frutas Cítricas, gotas de limão sobre a língua, balas e mentas e pastilhas estimulantes salivares: Salivix, Provalis (a venda na Inglaterra). 

Estímulos farmacológicos: A pilocarpina é o sialogogo farmacológico mais estudado e mais utilizado em todo o mundo, por isso, é a droga de primeira escolha para o tratamento da hipofunção das glândulas salivares. Deve ser prescrita por um profissional habituado ao seu uso, que fará uma avaliação se o Paciente não tem contra-indicações ao uso da droga e se esta produz um aumento significativo na produção de saliva que justifique a sua utilização, sem efeitos colaterais.
Existem outras drogas também utilizadas para esta finalidade como o Betanecol (valem as mesmas recomendações acima), que ainda tem poucos estudos sob sua eficácia e no exterior encontramos medicações que produzem bons resultados como a Cevimelina (Evoxac), mas com custo pouco acessível à realidade brasileira. 

Estímulos elétricos: Utiliza-se o TENS (Transcutaneous electrical nerve stimulation) com bons resultados, devendo ser aplicado por um profissional capacitado. São contra-indicados para pacientes portadores de marca-passo, pacientes com história de herpes-zoster (na área do nervo trigêmeo), aplicação em áreas com pouca sensibilidade e em pacientes com epilepsia.

Tratamento e orientação comportamental: muitos pacientes têm o hábito de beber pouco líquido, de utilizar substâncias que ajudam a piorar a secura bucal (tabaco, maconha, etc.), são vítimas de um estresse crônico que afeta os padrões salivares, entre outras causas. Assim, é fundamental orientar mudanças de hábitos e buscar ajuda profissional especializada para minimizar os danos que tais comportamentos produzem na produção salivar. Além disso, muitas vezes o Paciente utiliza medicações que diminuem a produção de saliva como efeito colateral. Nesse sentido, o Paciente poderá adotar condutas para diminuir ou parar o uso destas medicações em um médio prazo, desde que com acompanhamento profissional, ajudando a recuperar uma salivação adequada. 

Acupuntura: diversos estudos apontam a melhoria dos padrões salivares através do uso da acupuntura, tanto através da estimulação direta dos pontos responsáveis pelo equilíbrio das funções das glândulas salivares como pelo equilíbrio do paciente como um todo, diminuindo seu estresse e ansiedade, o que colabora para restabelecer um fluxo salivar melhor.

Outras abordagens promissoras: o uso do Laser de baixa potência e a homeopatia são 2 áreas que prometem trazer bons resultados, mas são necessários ainda mais estudos que comprovem sua eficácia no tratamento da boca seca.

     O tratamento futuro para algumas das doenças das glândulas salivares pode demandar o uso da terapia genética e engenharia tissular. Porém, no presente momento, a necessidade maior é a compreensão das causas e patogênese das doenças das glândulas salivares antes que terapias específicas possam ser estabelecidas.



Referências:

BARCELLOS, Karin Spat Albino. ANDRADE, Luís Eduardo Coelho. Histopatologia e Imunopatologia de Glândulas Salivares Menores de Pacientes com Síndrome de Sjögren (SSj).

BERGDAHL M, Berghdal J. Low unstimulated salivary flow and subjective oral dryness: association with mediation, anxiety, depression and stress. J Dent Res. 2000; 79:1652-8.

FÁVARO, Rodrigo Aluízio Athayde et al, XEROSTOMIA: etiologia, diagnóstico e tratamento. Revisão. Clin. Pesq. Odontol., Curitiba, v.2, n.4, p. 303-317, abr./jun. 2006.

Felberg, S., & Dantas, P. (2006). Diagnóstico e tratamento da síndrome de sjögren.

Gallardo, J. (2008). Xerostomia: etiologia, diagnóstico y tratamiento. Rev Med Inst Mex
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GARTNER, L.P. et al. Tratado de Histologia em Cores. Rio de Janeiro: 3ªed Guanabara Koogan, 2007.

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Guggenheimer, J., & Moore, P. (January de 2003). Xerostomia, etiology, recognition and treatment. Journal of American Dental Association, 134.
KORN, Gustavo Polacow et al; Correlação entre o grau de xerostomia e o resultado da sialometria em pacientes com Síndrome de Sjögren. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia 68 (5) Parte 1 Set/Out 2002.

VALLE, Maria Rocha de Macedo dos Reis. Diagnóstico e tratamento da xerostomia. Dissertação (Mestrado Integrado em Medicina Dentária) –  Instituto Superiar de Ciência em Saúde Egas Monis.

PEREIRA, Pablo Soares Gomes et al; Xerostomia pós-radioterapia em cabeça e pescoço: tratamento tópico oral com pilocarpina. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 4, p. 178-180, outubro / novembro / dezembro 2012.





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