sexta-feira, 28 de abril de 2017

[CC #9]: PANCREATITE

Pancreatite
           

                A pancreatite é uma inflamação do pâncreas. Dentre suas funções, o pâncreas atua, em sua porção exócrina, na secreção de enzimas que vão atuar na digestão de lipídios, proteínas e carboidratos no intestino delgado. A pancreatite ocorre quando essas enzimas, geralmente ativas apenas no intestino delgado, se tornam ativas dentro do pâncreas, iniciando o processo de autodigestão característico da pancreatite. Esta condição apresenta-se em duas formas: a pancreatite aguda e a pancreatite crônica.
Estruturas do Pancreas: a. pâncreas in situ; b. ácinos e ductos biliares; c. estruturas microscópica do ácino pancreático; d. ácinos pancreáticos e ilhotas de Langerhans .

Pancreatite aguda
       
            A pancreatite aguda é caracterizada como uma doença inflamatória do pâncreas, sendo caracterizada por dor abdominal e aumento nos níveis séricos de amilase e lipase. Esta difere-se da pancreatite crônica pela possibilidade de restituição completa das funções e morfologia do pâncreas após a resolução dos fatores agudizantes

Causas
          Dentre as principais causas de PA, estão pela passagem de cálculo pelo ducto colédoco e o consumo excessivo de álcool, que representam aproximadamente 80% dos casos. (Tabela I)
·         Álcool: Atua como fator desencadeante principalmente em pacientes   fator importante principalmente quando associado ao tabagismo e à dietas ricas em gorduras, o que leva à espasmos do esfíncter da ampola hepatopancreática e obstrução pela formação de tampões proteicos gerados por subprodutos do metabolismo alcoólico, além de poder agir alterando a quantidade de proteases com potencial lesivo na secreção pancreática.
·         Cálculos Biliares: a presença de cálculos biliares na bile pode levar ao refluxo de bile ao ducto pancreático e/ou levar à obstrução. Observa-se que a frequência de pancreatite aguda em pacientes com cálculos biliares é inversamente proporcional ao tamanho destes. A microlitíase pode atuar no desenvolvimento de pancreatite aguda, agindo de forma ainda não muito esclarecida nesse processo.
·         Obstrução Pancreática: Apresenta-se como causa menos comum, estando associada a fatores como: a disfunção do esfíncter da ampola hepatopancreática, causada pelo aumento da pressão dessa estrutura devido a fibrose ou aumento do tônus da musculatura; a não união dos ductos pancreáticos ventral e dorsal com o ducto acessório, o que pode ocasionar resistência ao fluxo e possível obstrução; ou em pacientes acometidos por fibrose cística, onde o aumento da concentração intracelular de íons cloreto dificulta a secreção de íon bicarbonato e ocasiona um influxo de água para o meio intracelular, levando à secreção de um conteúdo concentrado e pouco fluido, mais susceptível a se acumular e causar obstrução dos ductos.

Etiopatogenia
          Dentre as principais causas de PA, estão pela passagem de cálculo pelo ducto colédoco e o consumo excessivo de álcool, que representam aproximadamente 80% dos casos. (Tabela I)
Observa-se, em modelos experimentais, que o estágio inicial da pancreatite pode consiste na mistura das enzimas digestivas e lisossômicas, sugerindo a possibilidade de que os fatores como o abuso de álcool, obstrução das vias biliares ou da ampola hepatopancreática, drogas e isquemia poderiam comprometer a função das células acinares, levando à ativação da tripsina intracelular pela junção dos grânulos de zimogênio com os lisossomos, desencadeando a liberação de fatores inflamatórios como IL-6, TNF-alfa e contribuem no estabelecimento do quadro inflamatório. Dessa forma, esse conjunto de fatores leva à formação de coleções agudas ao redor do pâncreas; necrose pancreática em área difusa ou no parênquima pancreático, que se associa à necrose da gordura peripancreática e pode ser estéril ou infectada; ou abscesso pancreático.

Manifestações Clínicas
         O quadro clínico de pacientes com pancreatite aguda geralmente apresenta-se em dois grupos: um com resolução rápida, em torno de uma semana; e outro com tratamento complicado, durando meses e marcado por intercorrências que podem levar ao desenvolvimento de sequelas ou à morte do indivíduo. Os sinais e sintomas apresentados são, geralmente, dor abdominal, aparecendo na região do epigástrio e irradiando para a porção média do dorso e de duração prolongada; náuseas; e vômito, devido à compressão duodenal pelo pâncreas edemaciado. Outros achados que podem ser observados no exame do paciente pode ser a ausência de sons intestinais ausentes ou diminuídos, frutos de paralisia do íleo pela disseminação do processo inflamatório ao mesentério do intestino delgado e cólon; uma possível icterícia devido a uma possível compressão do ducto colédoco pelo pâncreas com volume aumentado; febre, fruto do estabelecimento do quadro inflamatório com liberação de fatores pró-inflamatórios; hipotensão; taquicardia; taquipneia; necrose da gordura subcutânea; áreas endurecidas; eritema e grandes equimoses nos flancos (sinal de Grey Turner) ou na área umbilical (sinal de Cullen), causadas pelo sangue localizado retroperitonealmente no pâncreas e nos planos fasciais.
Cullen                                             Grey-Turner
Diagnóstico laboratorial
Exame de sangue
         Baseado na observação de alterações nos níveis séricos de: a) amilase, que encontram-se em torno de três a quatro vezes aumentados, na maioria dos casos, principalmente nas 2 a 12 horas iniciais do processo; b) lipase, que apresentam-se aumentados em paralelo com os níveis de amilase e pode manter-se aumentado por mais tempo; c) glicose, que apresenta-se em níveis transitoriamente aumentados; d) bilirrubina, fruto da compressão do ducto colédoco pelo pâncreas. Além de poder afetar os níveis de albumina, causando hipoalbuminemia pelo extravasamento dessa proteína plasmática pelas superfícies peritoneais inflamadas.
Exame de urina
         Aumento na concentração de amilase e creatinina
Exames de imagem
         Pode-se utilizar para o diagnóstico de pancreatite exames como: a) ultrassonografia, através do qual é possível identificar a colelitíase (possível causador da pancreatite) além de poder visualizar-se o pâncreas com característica hipoecoica, devido ao quadro inflamatório; b) tomografia computadorizada, o qual é o método mais utilizado para observar-se a extensão dos danos locais da pancreatite, a partir da visualização do aumento do pâncreas e da dificuldade de perfusão pancreática do contraste, sugerindo pancreatite necrosante.

Fig 1. necrose de 50% do corpo e cauda do pâncreas
                                                     
Tratamento
          O tratamento direto para a pancreatite aguda é incerto. Não há uma terapia que haja comprovadamente de forma direta da inflamação pancreática. Assim, a base terapêutica se dá através da manutenção do equilíbrio hídrico e a monitoração dos sinais dos pacientes assim como a observação de possíveis complicações do seu quadro para formais mais agressivas como a pancreatite necrosante. Além disso, faz-se a utilização de analgésicos para o controle da dor; alimentação por sonda nasogástrica em caso de vômito e íleo adinâmico. Em casos de pancreatite causada por colelitíase, a colecistectomia pode ser indicada para evitar reincidência. Não se faz necessário o uso de antibióticos em casos de pancreatite aguda leve.
Epidemiologia
          Apresenta incidência em torno de um a cinco casos a cada dez mil habitantes por ano. Apresentando-se mais frequentemente associada ao alcoolismo e a doenças das vias biliares.

Pancreatite Crônica
        
        Doença inflamatória, com resultante degeneração fibrótica, que tem progressão frequente e de grau irreversível do parênquima pancreático. Com o passar de muitos anos, as células do parênquima hepático, como células acinares e as ilhotas de Langerhans vão atrofiando e perdendo a sua principal função.
        A doença possui um grau amplamente heterogêneo de progressão, podendo acometer porções diferentes do pâncreas. Episódios de pancreatite aguda podem acometer ao longo da doença crônica.

Patologia
         Como toda classificação crônica, encontramos áreas acometidas com um infiltrado de linfócitos e plasmócitos, assim como eosinófilos. O caráter degenerativo da doença é percebido na presença de fibrose periductal e periacinar, assim como a atrofia de algumas células acinares e ilhotas de Langerhans. A falta de secreção normal de proteínas específicas que inibem a formação dos cálculos já foi formulada como causa da pancreatite.

Classificação
        Existem três tipos clínico-patológicos de pancreatite crônica, segundo o Simpósio de Marselha-Roma (1988):
       Pancreatite Calcificante Crônica: Mais comum e contém de Cálculos Pancreáticos que podem obliterar pequenas e grandes vias ductais pancreáticas. Grau de acometimento irregular e variado. O ducto principal pode estar dilatado em alguns pacientes e a sua causa principal é o etilismo.
    Pancreatite Obstrutiva Crônica: Menos comum e ocorre obliteração do ducto pancreático principal. Há atrofia e fibrose difusa e uniforme. A causa mais comum é tumor intraductal (adenocarcinoma), podendo ser originado também da estenose ductal e do pâncreas divisum.
     Pancreatite inflamatória crônica: Não apresenta os “plugs” ductais e não oblitera o ducto principal. Ocorre em alguma doenças auto-imunes, como a síndrome de Sjogren. É um tipo raro.

Fisiopatologia
       O mecanismo fisiopatológico da pancreatite ainda não é plenamente estabelecido.  A sua causa mais comum, a alcoólica, induz a formação de um suco pancreático “litogênico”, isto é, bastante proteico, com pouco inibidor da tripsina. Assim ocorreria a formação de plugs proteicos que obstruiriam pequenos ductulos, ativando enzimas pancreáticas e promovendo um processo inflamatório. Outros mecanismos potencialmente envolvidos, uma vez que a causa é multifatorial, incluem:
                   1)  Isquemia Tissular: Gerada pela hipertensão ductal, contribuiria para a perpetuação das lesões degenerativas.
        2) Estresse Oxidativo: Pela superprodução hepática de radicais livres, que em decorrência do refluxo biliar ou pela circulação sistêmica resultaria em inflamação recorrente e dano tecidual. A deficiência orgânica de substancias antioxidantes também é um agravante, dado ao grau de desnutrição, principalmente em etilistas crônicos.
        3) Efeito Toxico Metabólico: o álcool produziria acúmulo de gordura em células pancreáticas, ocasionando degeneração gordurosa.
           4) Fenômenos Autoimunes: vários casos relatam a pancreatite crônica idiopática à autoanticorpos circulantes.
       A pancreatite crônica evolui em fase mais avançada de doença para a insuficiência pancreática. Esta pode ser exócrina e/ou endócrina. A insuficiência exócrina leva a uma síndrome de má digestão de alimentos, causando esteatorreia e desnutrição proteica. A insuficiência endócrina gera diabetes mellitus.

Etiologia
       Em cerca de 70% dos casos o álcool está na base do aparecimento desta doença. Sabe-se hoje que há alterações genéticas que facilitam o aparecimento de algumas formas de pancreatite crônica, tornando o órgão mais sensível à atuação de factores lesivos. Há pancreatites hereditárias e pancreatites causadas por doenças metabólicas e formas auto imunes. Nas crianças a causa mais frequente é a fibrose quística, que tem como base alterações genéticas.

Diagnóstico
        O diagnóstico é feito na clínica e confirma-se com exames complementares de diagnóstico. Os mais utilizados são os chamados “métodos de imagem”, desde a simples radiografia simples do abdome onde se detectam facilmente as calcificações pancreáticas como a ecografia, TAC . Eco endoscopia (ecografia realizada a partir do estomago com um ecógrafo instalado na ponta do endoscópio). Cada um destes exames tem a sua indicação. Existem igualmente provas que ajudam a definir o grau de incapacidade funcional do órgão.
  
Tratamento
      A principal consequência clínica da insuficiência exócrina pancreática é a má digestão de gorduras e a esteatorreia. Isto se deve, em parte, ao fato da lipase ser a enzima pancreática mais instável durante o trânsito no trato gastrointestinal, decorrente de sua alta sensibilidade à proteólise e ao pH ácido frequentemente observado no duodeno e jejuno de pacientes com insuficiência exócrina pancreática, os quais apresentam hipossecreção de bicarbonato pancreático. O tratamento da insuficiência exócrina pancreática se baseia na administração oral de enzimas pancreáticas, visando fornecer uma quantidade suficiente de lipase ativa no lúmen duodenal por ocasião do esvaziamento gástrico dos nutrientes e, assim, evitar deficiências nutricionais potencialmente relevantes (por exemplo, de micronutrientes, vitaminas lipossolúveis, pré-albumina e lipoproteínas). Encontra-se indicado em todo paciente com insuficiência exócrina pancreática e má digestão de gorduras, independente da magnitude da esteatorreia e da presença ou não de sintomas associados.
O tratamento da dor abdominal é feito por meio de analgésicos. Há várias classes destes medicamentos que devem ser adaptados ao tipo e intensidade da doença. Por vezes o tratamento com enzimas pancreáticas ajuda igualmente a reduzir as queixas dolorosas. Em algumas situações a dor é de tal forma incapacitante que há necessidade de recorrer a métodos mais invasivos (ex: métodos endoscópicos, bloqueio do plexo celíaco).

Referências Bibliográficas:
  1. Frulloni L, Gabbrielli A, Pezzilli R, et al. Chronic pancreatitis: report from a multicenter Italian survey (PanCroInfAISP) on 893 patients. Dig Liv Dis 2009 41311-317.
2. Ammann RW, Muellhaupt B. The natural history of pain in alcoholic chronic pancreatitis. Gastroenterology 1999116:1132-1140.
3. Chebli JM, Gaburri PD, de Souza AF, et al. Internal pancreatic fistulas: proposal of a management algorithm based on a case series analysis. J Clin Gastroenterol 200438:795-800.
4. Chebli JM, de Souza AF, Gaburri PD, et al. Prevalence and pathogenesis of duodenal ulcer in chronic alcoholic pancreatitis. J Clin Gastroenterol 2002 35:71-74.
5. Guarita DR, Felga GEG, Pedroso MRA, Mott CB. Provas de função pancreática. In: Moraes-Filho JPP. Tratado das enfermidades gastrintestinais e pancreáticas. Editora Roca, 2008. 1ª Edição. 459-464.
6. http://www.gesepfepar.com/semiologia/gastroenterologia/pancreatite-2.pdf
7. http://www.fbg.org.br/Conteudo/196/0/Pancreatite
8. https://www.passeidireto.com/arquivo/4403237/funcao-gastrointestinal-e-pancreatica---bioquimica-clinica---resumo
9 .José Sebastião dos Santos1; Jorge Elias Júnior2; Sandro Scarpelini1 & Ajith K. Sankarankutty1 Pancreatite aguda: atualização de conceitos e condutas. Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS DIGESTIVAS
36: 266-282, abr./dez. 2003.
10. AUSIELLO, D & GOLDMAN, L. Cecil - Tratado de Medicina Interna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.



sexta-feira, 21 de abril de 2017

[CC #8]: COLELITÍASE

Conceito

A colelitíase é a doença mais prevalente do trato biliar. É a formação de cálculos no interior da vesícula biliar (90% dos casos) ou dos ductos biliares (dentro e fora do fígado). Nos últimos anos tem havido aumento da incidência e do diagnóstico desta doença.

Com o uso cada vez maior da ultrassonografia abdominal em exames de rotina ou (check-up), muitos casos de cálculos em vesícula biliar têm sido diagnosticados, mesmo antes do paciente apresentar qualquer sintoma .

Os tipos de cálculos mais comuns são os de colesterol (90%), e em segundo lugar os de bilirrubina (10%), que ocorrem em pessoas portadoras de alguns tipos de anemia ou com deficiência do metabolismo da bilirrubina. Esses cálculos podem ser do tamanho de um grão de areia, como também podem ser grandes como uma bola de golfe.

Classificação

Os cálculos são classificados de acordo com sua composição. Podem ser classificados em puros, mistos ou pigmentares. 

Cálculos de colesterol puros: Ocorrem em 5%-10% dos casos, predominam em mulheres e tem incidência crescente com a idade. Sua composição é de 90% de colesterol, podendo ocorrer em vesículas biliares com colesterolose.





Cálculos mistos: Contêm 60%-90% de colesterol, sendo o restante formado por bilirrubinatos e outros sais de cálcio; são os mais comuns (70%-80% dos casos), com maior incidência em mulheres idosas. Este tipo de cálculo se associa frequentemente à colecistite.



Cálculos pigmentares: Sua gênese é misteriosa. Esses cálculos contêm menos de 25% de colesterol e, em função disso , sua coloração varia do negro ao marrom. Os cálculos pigmentares negros ou puros são constituídos por bilirrubinato de cálcio polimerizado e outros sais de cálcio, não estão relacionados a bile infectada e associam-se a doenças hemolíticas crônicas ou cirrose. Aumento da quantidade de bilirrubina não-conjugada na bile, associado ou não a queda do nível de ácidos biliares, é um fator patogenético importante nesse tipo de cálculo, o qual é encontrado muitas vezes em vesículas de morfologia normal. Os cálculos pigmentares marrons são mais comuns nos países orientais, sendo observados em 15% das litíases no Japão. São encontrados também em litíases difusas da árvore biliar, por vezes sem a vesícula, tal como sucede na doença de Caroli e na chamada colângio-hepatite oriental. A formação desses cálculos está relacionada a estase biliar e a infecções, principalmente bacterianas (E .Coli) ou parasitárias (Clonorchis sinensis), sendo constituídos por bilirrubinato de cálcio monomérico e palmitato de cálcio . Hidrólise da bilirrubina conjugada para sua forma não-conjugada por ação da beta-glicuronidase de origem bacteriana ou pancreato -hepatobiliar parece ser importante na patogênese desses cálculos. 







Causas:
  • Produção da bile supersaturada com colesterol.
  • Diminuição do teor de fosfolipídios ou de ácidos biliares na bile.
  • Estase biliar. Infecção biliar (colangite)
  • Doença hemolítica

A formação dos cálculos biliares ainda tem sua causa desconhecida, mas relaciona-se mais a fatores metabólicos, hereditários e orgânicos do que à ingestão alimentar. Normalmente, a bile contém substâncias químicas suficiente para dissolver o colesterol excretado pelo fígado. Mas se o fígado excreta mais colesterol do que a bile pode dissolver, o excesso de colesterol pode se transformar em cristais e, eventualmente, em pedras.
Se a vesícula biliar não esvaziar corretamente ou com a frequência necessária, pode haver alta concentração da bile e, assim, a formação dos cálculos.
Outra possível causa para o surgimento de cálculos biliares é um desequilíbrio na relação entre os solubilizantes e o colesterol. Esta relação fica alterada não só quando aumenta o colesterol, mas também quando há uma redução da quantidade de solubilizantes na bile, facilitando a formação de cálculos.


Fatores de risco:
  • Predisposição genética. Multiparidade
  • Nutrição parenteral total por longo período
  • Cirrose (para os cálculos pigmentares)
  • Distúrbios hemolíticos– Esferocitose hereditária, Anemia falciforme
  • Parasitoses biliares
  • Rápida perda ponderal
  • Neoplasias malignas na infância
  • Doenças do íleo terminal (tuberculose, doença intestinal inflamatória, síndrome do intestino curto)
  • Idade avançada
  • Mulheres em idade fértil, principalmente por volta dos 40 anos
  • Mulheres que tiveram múltiplas gestações
  • Obesidade
  • Pacientes submetidos a cirurgias gástricas para tratamento de câncer, úlcera ou vagotomias (podem ter maior propensão a formar cálculos biliares)
  • Sedentarismo
  • Uso de contraceptivos orais
  • Úlceras duodenais: provocam certa estase da vesícula facilitando a formação de cálculos
  • Ter uma dieta rica em gordura e colesterol e pobre em fibras
  • Ter histórico familiar de cálculos biliares
  • Diabetes

A presença de múltiplos fatores de risco, particularmente no sexo feminino e, parentes de primeiro grau de pacientes portadores de colelitíase devem ser considerados para investigação com exames de imagem. Tem sido observado em estudos epidemiológicos a maior prevalência de colelitíase em pacientes diabéticos. Embora este fato possa estar relacionado com o frequente excesso de peso, hipertrigliceridemia e hábitos dietéticos, uma explicação mais precisa parece estar no distúrbio do metabolismo lipídico ao nível do hepatócito.

A prevalência de cálculos da vesícula biliar aumenta com a idade em ambos os sexos, com predomínio para o sexo feminino. Anticoncepcionais duplicam a prevalência de litíase na mulher fértil e o estrogênio pós-menopausa aumenta a incidência em duas e meia vezes. Os estrogênios e a pílula aumentam o potencial litogênico da bile, promovendo aumento de secreção biliar do colesterol e diminuição da secreção de ácidos biliares. A ação hormonal promove diminuição da motilidade vesicular.

Pessoas que têm problemas sanguíneos relacionados à destruição das hemácias tem maior chance de ter pedras na vesícula, porque esta faz uso dos glóbulos vermelhos destruídos para produzir a bile em excesso.




Patogênese

Cálculos na vesícula biliar são resultado da combinação de componentes insolúveis da bile, como o colesterol, bilirrubina de cálcio, sais orgânicos e inorgânicos, além dos sais biliares e das glicoproteínas. É justamente a composição que distingue os tipos de cálculo.








Patogênese dos cálculos puros ou mistos:

Ocorrem pela formação de bile supersaturada de colesterol ou bile litogênica. A solubilidade do colesterol depende da formação de micelas, nas quais a superfície externa, hidrofílica, é composta por sais biliares ligados pela lecitina. Quando ocorre um desequilíbrio nessa composição, com supersaturação pelo colesterol e/ou deficiência na secreção de lecitina e sais biliares, forma-se a bile litogênica. Esse tipo de bile origina-se no fígado e se acredita que o fator mais importante para sua gênese é a diminuição do pool de ácidos biliares.

Posteriormente, ocorre a nucleação ou cristalização. a partir da solução supersaturada, partículas como muco, sais de cálcio, bactérias, ovos de parasitas ou células descamadas atuariam como fatores de nucleação. Na maioria dos casos, o núcleo do cálculo biliar seria devido à deficiência de um fator antinucleador e/ou ao aumento de secreção de mucinas pelo epitélio da vesícula. A formação de “lama biliar” (bile gelatinosa, muito espessa) também poderia responder pelo início do processo de nucleação. O processo de crescimento ainda é pouco entendido. Provavelmente as glicoproteínas forneçam a matriz essencial para o crescimento progressivo dos cálculos, o qual aparentemente se faz por aposição de camadas, caracterizando gerações. Os cálculos de um mesmo tamanho pertenceriam à mesma geração, enquanto os menores seriam de gerações mais recentes.


Patogênese dos cálculos pigmentares:

Os cálculos pigmentares são uma mistura de sais cálcicos insolúveis de bilirrubina não conjugada com sais de cálcio inorgânicos. A bilirrubina não conjugada normalmente é um componente pequeno da bile, mas aumenta quando uma infecção do trato biliar acarreta a liberação de β – glicuronidases microbianas, os quais hidrolisam os glicuronídios de bilirrubina. Assim, a infecção por Escherichia coli, Ascaris lumbricoides, por exemplo, aumenta a chance de formação de cálculos biliares pigmentares. De outro modo, a hemólise intravascular aumenta a excreção biliar de bilirrubina conjugada. Como um baixo nível de glicuronídios de bilirrubina é desconjugado na árvore biliar normalmente, a solubilidade aquosa da bilirrubina livre pode ser facilmente excedida nos estados hemolíticos.



Aspectos macroscópicos e microscópicos da lesão

As características macroscópicas e microscópicas da lesão causada pela
colelitíase constituem em:

1) Cálculos de colesterol puros:

Apresentam-se, em geral, únicos. Suas superfícies são facetadas como resultado da aposição uns sobre os outros. A maioria, são radiolucentes, embora até 20% possam ter cabonato de cálcio suficiente para se tornarem radiopacos. Possuem de 2-4 cm de diâmetro, arredondados, sólidos, cristalinos meio amarelados. Sua composição é de 90% de colesterol, onde possuem quantidades crescentes de carbonato de cálcio, fosfatos e bilirrubina. A mucosa encontra-se hiperplásica, notando-se agregados de macrófagos xantomatosos na lâmina própria dos vilos alongados. O processo inflamatório é mínimo ou ausente.


2) Cálculos mistos

Apresentam-se em quantidades múltiplas com diâmetro variando entre 0,2 e 0,3 cm, tendo contornos facetados e superfície de corte cristalina são radiopacos. Sua composição consiste em 60%-90% de colesterol, sendo o restante formado por bilirrubinatos e outros sais de cálcio.

3) Cálculos pigmentares


Contêm menos de 25% de colesterol e em função disso, sua coloração varia do negro ao marrom. Os cálculos de pigmentos pretos são encontrados na bile estéril da vesícula biliar, enquanto os marrons se localizam no interior dos ductos intra ou extra-hepáticos infectados. Os cálculos pigmentares negros ou puros são constituídos por bilirrubinato de cálcio polimerizado e outros sais de cálcio. São, geralmente, múltiplos e radiopacos, com 0,2 a 0,5 cm de diâmetro. Os cálculos marrons tendem a ser únicos, mas podem aparecer em pequeno número. São radioluzentes, moles e possuem uma consistência gordurosa semelhante ao sabão, resultado da presença de ácidos graxos acumulados que são liberados pelas fosfolipases bacterianas sobre as lecitinas biliares, uma vez que, quando a vesícula biliar contém cálculos pigmentares marrons, ela mostra-se inflamada. Ocorre também acúmulo de secreções mucosas do epitélio de revestimento na luz da víscera. A vesícula torna-se distendida, com hipotrofia da parede e do revestimento mucoso.


Manifestações clínicas



A grande maioria dos pacientes é assintomático ou oligossintomático. O sintoma mais característico é a cólica biliar - dor aguda e contínua localizada no hipocôndrio direito ou epigástrio com possível radiação para a região interescapular ou ombro direito - acompanha de náuseas e vômitos. O quadro álgico é decorrente da inflamação, espasmo ou distensão da vesícula biliar ou do esfíncter de Oddi, ou mesmo da impactação do cálculo biliar no infundíbulo da vesícula. Além disso, a dor associa-se à alimentação, principalmente, com elevado teor lipídico, que, em conjunto com a obstrução temporária ao fluxo biliar, causa aumento da pressão intraluminal na vesícula. A cessação da dor ocorre quando a vesícula retorna ao relaxamento ou após a liberação do fluxo por expulsão ou liberação do cálculo.



Epidemiologia


Os cálculos biliares são responsáveis por um grande número de internações, sendo 10 a 20% da população acometida de países desenvolvidos. 80% das pessoas tem uma colelitíase assintomática durante décadas.

No Ocidente, 90% são de cálculos de colesterol; e 10% de cálculos pigmentares. Aproximadamente 30 milhões de pessoas nos EUA tem cálculos biliares, e o custo anual estimado dessa doença é de 15 bilhões de dólares, a taxa de incidência é menor que 5 a 6% entre indivíduos com menos de 40 anos e de 25 a 30% em indivíduos com mais de 80 anos. Na Europa, indivíduos entre 30 a 65 anos de idade apresentaram cálculos biliares, sendo que 18,8% em mulheres e 9,5% nos homens.
Acomete frequente o sexo feminino (2:1) e após a 5ª década de vida. É importante ressaltar que a incidência aumenta com a idade.


Diagnóstico diferencial 

Dentre os possíveis diagnósticos diferenciais, podemos citar: colecistite calculosa aguda; colecistite calculosa crônica; coledocolitíase; neoplasia da vesícula biliar; úlcera péptica; pancreatite; refluxo gastroesofágico; apendicite e hepatite.


Exames complementares:

A ultrassonografia do quadrante superior direito diagnostica de forma não invasiva os cálculos biliares em 95% dos pacientes com colecistite.


Tratamento

O tratamento indicado pelo médico dependerá dos sintomas do paciente, de sua condição clínica e do tamanho dos cálculos.

Quando o paciente não possui sintomas do cálculo biliar, a cirurgia não é indicada, mas quando o cálculo é maior que 3cm e está associado a pólipos, vesícula em porcelana, anomalia congênita da vesícula e/ou microesferocitose, pode-se extrair as pedras, pois elas podem “explodir” a qualquer momento, causando uma inflamação (colelitíase aguda), então o paciente passa por procedimento cirúrgico: a colecistectomia laparoscópica.
Este procedimento é muito seguro e comum (estima-se que se fazem cerca de 700.000 dessas operações por ano nos Estados Unidos). No entanto, como em qualquer outro procedimento cirúrgico, as complicações podem ocorrer, como o sangramento e a infecção. Menos comum podem ocorrer lesões de órgãos vizinhos ou dos canais biliares; na presença de algumas condições, a operação pode requerer a conversão de uma laparoscopia para uma colecistectomia aberta.
Em pacientes assintomáticos, mas que se enquadrem em algum dos critérios a seguir, devem também ser operados: diabéticos, imunodeprimidos, presença de cálculos grandes ou microcálculos e com hipertensão portal.



Referências:





GOLDMAN L., AUSIELLO D. Cecil: Medicina. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. Vol I e II.


quarta-feira, 19 de abril de 2017

EMBRIOLOGIA DO SISTEMA DIGESTÓRIO

O período embrionário é uma fase de intensas transformações morfofuncionais que serão tão importantes para a vida pós-gestacional. Pensando nisso, na publicação de hoje falaremos um pouco sobre este momento tão movimentado na vida de todos!

O intestino primitivo se forma a partir da porção dorsal do saco vitelino que é incorporada ao embrião na 4º semana embrionária. O endoderma do intestino primitivo origina o revestimento epitelial da maior parte do trato digestório e vias biliares, junto com o parênquima de suas glândulas, incluindo o fígado e o pâncreas. O epitélio das extremidades cranial e caudal do trato digestório é derivado do ectoderma do estomodeu e do proctodeu, respectivamente. Os componentes dos tecidos muscular e conjuntivo são derivados do mesênquima esplâncnico, que circunda o intestino primitivo.

O intestino primitivo pode ser dividido em: anterior, médio, posterior.
Fonte: Moore, Embriologia Clínica

O intestino anterior origina a faringe; o sistema respiratório inferior, o esôfago; o estômago, o duodeno (próximo à abertura do dueto biliar); o fígado, o pâncreas e o aparelho biliar.

O intestino médio origina o duodeno (mais distal ao ducto biliar), o jejuno, o íleo, o ceco e metade a dois terços do colo transverso. O intestino médio forma uma alça intestinal em forma de U que se hérnia para o cordão umbilical durante a sexta semana, porque não existe espaço para ela no abdome.  Durante a 10ª semana, os intestinos retornam para o abdome.

O intestino posterior origina a metade ou apenas o terço esquerdo do colo transverso, o colo descendente e o colo sigmóide, o reto e a parte superior do canal anal. A porção inferior do canal anal se desenvolve a partir do proctodeu. A porção caudal do intestino posterior, a cloaca, é dividida pelo septo urorretal em seio urogenital e reto. O seio urogenital origina principalmente a bexiga urinária e a uretra. No início, o reto e a porção superior do canal anal estão separados do exterior pela membrana anal, mas essa membrana normalmente se rompe no final da oitava semana.

domingo, 16 de abril de 2017

INTESTINO

INTESTINO DELGADO:
As camadas mucosa e submucosa do intestino delgado se dobram formando projeções alongadas ou pregas (válvulas de Kerckring). A mucosa também apresenta projeções alongadas chamadas vilosidades, que apresentam lâmina própria na porção central e revestimento de epitélio cilíndrico simples (enterócitos entremeados por células caliciformes) que apresenta microvilosidades na superfície livre.
Entre as vilosidades desembocam as glândulas de Lieberkühnobservadas na lâmina própria. Dentre os diversos tipos celulares que compõem estas glândulas, distingue-se neste espécime: as células caliciformes e as células de Paneth contendo grânulos citoplasmáticos intensamente acidófilos, localizadas na base das glândulas. Notar que as glândulas não ultrapassam a muscular da mucosa. A camada submucosa é constituída de tecido conjuntivo.

Adjacente à ela, observa-se a camada muscular circular interna (fibras em corte transversal) e a camada muscular longitudinal externa (fibras em corte longitudinal).

INTESTINO GROSSO:

O intestino grosso se caracteriza pela ausência de vilosidades e grande quantidade de células caliciformes.
Na mucosa encontram-se células cilíndricas absortivas. Na lâmina própria são observadas inúmeras glândulas tubulares retas (glândulas de Lieberkühn), que contém numerosas células caliciformes e podem aparecer em corte longitudinal ou transversal. Notar que as glândulas não ultrapassam a muscular da mucosa e não possuem células de Paneth.