DOENÇA DE CROHN
As doenças inflamatórias
intestinais são representadas, atualmente, por duas grandes patologias: a
doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. A doença de Crohn possui caráter
multifatorial, transmural, desenvolvimento crônico, caracterizando-se pela
inflamação da mucosa do trato intestinal, podendo atingir não somente regiões
do intestino delgado e grosso mas também órgãos subjacentes. A doença
apresenta-se de forma segmentar, descontínua e inconstante pelo trato
intestinal, possuindo esse então áreas saudáveis interpostas por áreas
acometidas por grave processo inflamatório. As principais diferenças entre a
doença de Crohn e a colite ulcerativa deve-se ao fato que nessa a área de
acometimento inflamatório é contínua e restrita a mucosa do tubo intestinal,
atingindo principalmente reto e regiões proximais do colo. Ainda assim, a
diferenciação entre as duas doenças é um trabalho difícil uma vez que a
sintomatologia, que envolve diarreia, dores abdominais, febre, anemia dentre
outros é partilhada por ambas.
EPIDEMIOLOGIA
A doença de Crohn é uma
doença multifatorial pois sua incidência e prevalência depende de fatores de
risco, meio ambiente, hábitos individuais, genética e fatores de agravo.
Estudos recentes mostram baixa incidência da doença na população geral,
ocorrendo em todo o mundo, porém com maior incidência nos países mais
desenvolvidos do ocidente, onde a população consome cada vez menos fibras,
fumam muito e utilizam anticoncepcionais orais. Nas últimas décadas,
observou-se uma tendência ao aumento do número de casos na América Latina,
podendo ser devido ao aperfeiçoamento dos métodos diagnósticos ou devido ao
real aumento do número de casos. No Brasil a doença ainda é pouco conhecida e
por isso não existem dados suficientes que demonstrem a incidência e
prevalência de forma fidedigna. A doença
de Crohn pode acontecer em qualquer idade, acometendo principalmente adultos
jovens. Apresenta dois picos de acordo com a faixa estaria: um entre 15-25 anos
e o outro entre 50-80 anos, sendo mais predominante em mulheres, principalmente
devido a questões hormonais. Estudos realizados no Brasil, apresentaram maior
incidência da doença de Crohn entre brancos e pardos do que em negros e amarelos
e ainda apresenta maior incidência familiar em irmão e em gêmeos idênticos.
FISIOPATOLOGIA / ALTERAÇÕES
HISTOLÓGICAS
A doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória crônica do trato
gastrointestinal, que pode envolver qualquer segmento desde a boca até ao ânus.
A presença de áreas de mucosa normal intercalando áreas afetadas pela doença,
isto é, o envolvimento segmentar, acometendo toda a parede do órgão e com
lesões tipicamente granulomatosas do intestino, caracteriza a DC,
diferenciando-a da retocolite ulcerativa (RCU), que apresenta envolvimento
confinado à mucosa do cólon e reto, de forma contínua.A DC pode ser
classificada em cinco subgrupos, de acordo com a localização anatômica das
lesões:(1) ileal: envolvimento exclusivo no íleo, mas poderia incluir o
envolvimento do trato gastrointestinal alto; (2) colônica: envolvimento
limitado ao cólon e raramente ao reto; (3) ileocolônico: envolvimento do íleo e
do cólon, mas poderia incluir o envolvimento do trato gastrointestinal alto;
(4) doença confinada somente ao trato gastrointestinal alto; como boca, língua,
esôfago, estômago e duodeno. (5) envolvimento perianal: é considerada doença
perianal os achados clínicos de fístula perianal, abcesso perianal, mas não
fissuras ou plicomas (hipertrofia da pele em resposta a um processo
inflamatório crônico) perianal. Na visão macroscópica, na doença aguda
encontram-se as alças intestinais róseo-acinzentadas ou vermelhas púrpuras
escuras, com parede intestinal borrachuda e espessa, como resultado do edema,
inflamação, fibrose e hipertrofia da muscular própria. O mesentério do segmento
pode ficar espessado ou não. Encontra-se, também, na superfície da alça
intestinal, áreas de um exsudato cinzaesbranquiçado espesso ou fibrose da
serosa granular. Conforme a doença progride, a parede intestinal torna-se cada
vez mais espessada, com luz do lúmen intestinal estreita (estenose) e a
membrana mucosa com aspecto emborrachada. O intestino proximal não envolvido
pode estar dilatado secundariamente à obstrução do segmento lesado. Os
estreitamentos podem ocorrer no cólon, mas em geral são menos intensos. Em
muitos casos, o segmento intestinal envolvido se apresenta com hiperemia
(aumento da quantidade de sangue circulante num determinado local), com
deposição de fibrina, aderência entre as alças intestinais adjacentes ou outras
vísceras, inflamação descontínua na mucosa, espessamento submucoso, fibrose e
úlceras. Estas últimas inicialmente são pequenas, e tornam-se mais extensas e
profundas, muitas vezes sob forma de fissuras que podem causar fístulas ou
abscessos. O mesentério do segmento envolvido em geral torna-se espessado,
fibrótico, com edema e grande quantidade 31 de gordura, notando-se também
linfonodos aumentados. Microscopicamente, um sinal característico da doença em
fase inicial são as úlceras aftóides, puntiformes ou lineares mais profundas,
edemas e perda de textura da mucosa normal. Os aspectos histológicos mais
comuns encontrados na DC são: inflamação de mucosa, ulceração e presença de
granulomas não-caseosos (sem caseificação). Esses processos inflamatórios na DC
são caracteristicamente transmural, o que contrasta com a RCU. O envolvimento
de todas as camadas da parede intestinal pelo processo inflamatório
(transmural), que pode estender-se até a gordura mesentérica e linfonodos
regionais, é responsável pela instalação de fissuras, fístulas entre alças
intestinais, órgãos vizinhos, parede abdominal e região perianal; abscesso,
densas aderências entre alças intestinais e áreas de estenose intestinal. Outro
aspecto típico encontrado na mucosa intestinal acometido pela doença é o
chamado “pedra de calçamento”, que resulta da combinação da ulceração mucosa
profunda e espessamento submucoso nodular. O processo inflamatório nas DII
possui variação de características morfológicas, microscópicas e
macroscópicas.Porém os achados macro e microscópicos em um paciente com DII não
são suficientes para determinar o diagnóstico clínico de DC e RCU, devido às
manifestações clínicas e morfológicas serem semelhantes nas duas doenças.
Macroscopicamente
caracteriza-se por lesões bem delimitadas, separadas umas das outras (lesões
salteadas). Inicialmente a parede intestinal é edematosa, hiperemiada,
espessada, notando-se pequenas úlceras na mucosa (aftoides).
Microscopicamente
podemos observar que as ulcerações são estreitas e profundas, muitas vezes
atingindo a serosa. O infiltrado inflamatório, mononuclear, tem distribuição
transmural, não sendo restrito portanto às áreas ulceradas. Ocorrem fibrose e
edema consideráveis. As glândulas costumam manter a sua população normal de
células caliciformes.
Em 60 a 70% dos casos de
doença de Crohn, ocorrem granulomas. Estes são constituídos por linfócitos,
macrófagos, células epitelióides e células gigantes inflamatórias,
distinguindo-se daqueles da tuberculose por não apresentarem necrose caseosa
nem bacilos, sendo por isso denominados de granulomas epitelióides.
Os granulomas podem estar
presentes em qualquer das camadas da parede intestinal e até mesmo nos
linfonodos regionais. Este achado é muito importante quando a doença de Crohn
está restrita ao colon, permitindo a sua distinção da colite ulcerativa, coisa
nem sempre fácil. É importante lembrar que a doença de Crohn pode ser
confundida com a tuberculose intestinal, principalmente em nosso meio, onde a tuberculose
é uma doença frequente.
SINTOMATOLOGIA
A
doença de Crohn apresenta como sintomas mais recorrentes diarreia, perda de
peso, dores abdominais com cólica e febre que pode permanecer por dias a
semanas. Além disso, outras manifestações clínicas costumam aparecer como
estomatites (inflamações na boca), estenose, principalmente, no intestino
delgado e dificuldade na eliminação de gases intestinais. Algumas manifestações
extraintestinais podem ocorrer como artralgia, psoríase, uveíte, litíase renal
e bronquite. Em alguns casos pode haver a ocorrência de fístulas que podem ser
múltiplas e apresentar extensa destruição tecidual. Há situações em que a
diarreia pode apresentar muco e as fezes apresentarem sangue, principalmente
quando o processo inflamatório está intenso no intestino grosso.
TRATAMENTO
A
evolução da doença pode variar de acordo com as manifestações intestinais e
extraintestinais. O tratamento para a Doença de Crohn depende da evolução dessa
doença, do grau de gravidade desenvolvido, dos principais locais acometidos e
do estado geral do paciente. É baseado na manutenção da remissão, controle dos
sintomas, terapia nutricional e em alguns casos pode ocorrer intervenção
cirúrgica. Na maioria dos casos, o
tratamento inicial para essa doença é feito com a utilização de diversos
fármacos como aminossalicilatos, corticosteroides, antibióticos e
imunossupressores, por exemplo. Os
aminossalicilatos causam, principalmente, a inibição da síntese de citocinas
inflamatórias e da proliferação dos linfócitos T. Os aminossalicilatos mais
utilizados são a sulfasalazina, mesalazina, olsalazina e a balsalazina. O uso
de corticoides é recomendado quando os aminossalicilatos não estão oferecendo
uma resposta efetiva para a intensa resposta inflamatória própria da doença de
Crohn. No entanto, são mais eficazes em induzir a remissão da doença e não para
a manutenção, uma vez que podem causar, se administrados a longo prazo,
hipertensão arterial, diabetes e osteoporose. Os corticóides podem ser
administrados por via oral, como o prednizona, via retal como o valerato de
betametasona, sendo essa via mais indicada nas formas mais distais da doença,
ou por via parenteral como o metilpredinisona, nesse caso o paciente precisa
ficar internado. O tratamento cirúrgico é recomendado quando o tratamento
farmacológico não está sendo eficiente, o paciente apresenta instabilidade
clínica, obstrução intestinal total ou parcial, fístulas entéricas, abcessos e
massas inflamatórias e hemorragias. Essa intervenção cirúrgica pode ocasionar
uma perda de mais de 100 cm do intestino, levando assim ao desenvolvimento, em
muitos casos, da Síndrome do Intestino Curto.
A ressecção de uma porção intestinal tem sido a abordagem mais utilizada
dos casos de Doença de Crohn, principalmente no envolvimento da região
ileocecal e em alguns casos pode ocorrer retirada parcial do intestino delgado.
Além do tratamento com fármacos e da intervenção cirúrgica, é essencial que o
paciente realize uma terapia nutricional, uma vez que a desnutrição é uma
manifestação recorrente nos casos dessa doença. Assim, o tratamento nutricional
que deve ser feito de maneira individual e de acordo com o estado nutricional
do paciente. Na maioria dos casos, é recomendado uma dieta contendo ácidos
graxos da variedade ômega 3, aminoácidos como glutamina, antioxidantes,
probióticos e prébióticos. O conjunto desses tratamentos visam aumentar a
sobrevida e garantir uma melhor qualidade de vida ao paciente.
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