quarta-feira, 23 de maio de 2018

[CC II: #9] ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS


ANATOMIA DO PÂNCREAS:


O sistema digestório tem algumas glândulas anexas que auxiliam no seu papel de digestão e consequente absorção de nutrientes, uma delas é o pâncreas - que é responsável pela secreção de substancias endócrinas, como glucagon e insulina, que regulam o nível de glicose no sangue e exócrinas, como o suco pancreático repleto de enzimas digestivas. Essa víscera é retroperitonial, ou seja, não está envolta pela camada de peritônio, encontrando-se fixada na parede posterior do abdome. Anatomicamente, o pâncreas está atrás do estômago, lateral ao duodeno à direita e à esquerda está o baço, na altura das vertebras LI e LII. É dividido em quatro partes: cabeça, colo, corpo e cauda. O suco pancreático é drenado para o duodeno por meio de dois ductos, o principal e o acessório. O principal abre-se numa estrutura chamada papila maior do duodeno, onde há a formação da ampola hepatopancreática, que é a junção do ducto principal do pâncreas com o ducto colédoco, proveniente da vesícula biliar. A irrigação pancreática é dada, principalmente, por ramos da artéria esplênica, contudo, há participação de diversas outras artérias como as gastroduodenais e mesentérica superior, que darão origem às artérias pancreaticoduodenais. Devido à vasta irrigação, qualquer procedimento cirúrgico nessa área é dificultado, pois há ligação direta com outros órgãos, a exemplo do baço.  A drenagem venosa é feita pelas veias pancreáticas, que drenam, em sua maioria, para a veia esplênica. Apesar de possuir uma sensibilidade escassa para dor, o pâncreas é inervado pelos plexos celíaco e mesentérico superior, derivados dos nervos vago e esplâncnico abdominopélvico (MOORE, 2014). 

CONCEITO DA DOENÇA

O adenocarcinoma de pâncreas é um câncer com uma alta taxa de letalidade, devido à descoberta tardia da doença, relacionada principalmente com a falta de sintomas ou dores. Então, quando a pessoa nota alguma diferença, o tumor está avançado - o que dificulta o tratamento quimioterápico e cirúrgico. O câncer de pâncreas é mais comum na região dos ácinos, que são as células responsáveis pela produção do suco pancreático, abrangendo cerca de 93% dos casos, sendo esses classificados como adenocarcinoma, enquanto o câncer na ilhota de Langerhans, células encarregadas da produção de hormônios como a insulina, são mais raros tendo uma relevância em 7% dos casos. O câncer é a perda da capacidade de controlar o crescimento celular, dessa forma, as células pertencentes aquele tecido passam a multiplicar-se rapidamente sem nenhum controle, resultando em tumorações que irão prejudicar a funcionalidade do órgão e poderá afetar outros tecidos (GOLDMAN, et al. 2009; LONGO, et al, 2013) .

 EPIDEMIOLOGIA

O câncer de pâncreas é a quarta causa mais comum de morte por câncer nos Estados Unidos, apesar de sua baixa incidência: aproximadamente 42.500 neoplasias pancreáticas são diagnosticadas e 35.200 indivíduos morrerão todos os anos de causas relacionadas com o câncer. No mundo todo, o câncer de pâncreas corresponde a 2% de todas as neoplasias. 

HISTOFISIOLOGIA

Os carcinomas são mais comuns na cabeça e no corpo, representando respectivamente 70% e 20% do total, do que na cauda (10%) do pâncreas. Quase todos os carcinomas pancreáticos tem origem nas células ductais e sua minoria se origina nas células acinares.  “A neoplasia intraepitelial pancreática e os tumores mucinosos papilares intraductais parecem ser lesões precursoras do adenocarcinoma ducta do pâncreas. Os resultados das análises moleculares sugeriram que a origem celular seja monoclonal em pelo menos 95% dos casos” (MCPHEE, et al., 2011).
O câncer de pâncreas está diretamente ligado a marcadores moleculares tais como mutações no KRAS,observados em cerca de 60 a 75% dos tumores. Além desses, outros genes supressores tumorais também são inativados, sendo eles: p16, p53 e SMAD4, sendo este último um associado a uma menor sobrevida em ressecções de adenocarcinomas de pâncreas. Ainda há a inativação do gene BRCA2 em 7 a 10% dos cânceres de pâncreas. A etiologia é desconhecida. Muitos casos de câncer pancreático são esporádicos. Acredita-se que o percentual de 16% dos cânceres sejam hereditários, ocorrendo em situações clinicas de síndromes familiares de acometimento sistêmico, doenças crônicas genéticas e cânceres pancreáticos com anormalidades gênicas não identificadas que correspondem a maior proporção de acometimentos (LONGO, 2013).
            Ao observar-se macroscopicamente, o câncer de pâncreas é caracterizado como um tumor infiltrativo firme que causa a obstruçãi do ducto pancreático, ocasionando uma inflamação da glândula distal. Em fases iniciais esses tumores tendem a obstruir o ducto biliar comum justificando o quadro de icterícia, em tumores volumosos, pode alargar a curvatura característica da cabeça do pâncreas (em “C”), evidenciados em exames de imagem. Os tumores da cauda e do corpo do pâncreas tendem a ser detectados tardiamente, e, portanto, tendem a ser mais volumosos neste estágio. O câncer cursa com a fibrose do tecido pancreático (reação desmosplásica), Os carcinomas do pâncreas são usualmente massas duras, estreladas, branco-acinzentadas, pouco definidas (MCPHEE, et al., 2011), como evidencia a imagem a seguir:


Ao exame microscópico, cerca de 90% dos tumores pancreáticos são adenocarcinomas, este tende a fazer metástase (por vias linfáticas e hematogênicas) para tecidos e órgão adjacentes, ocasionando também dores intensas, e podendo atingir regiões mais distantes, como mostra a figura a seguir:

Em corte histológico: “as glândulas malignas são atípicas, irregulares, pequenas e bizarras e geralmente são revestidas por células epiteliais cubóides e colunares anaplasticas, tumores bem diferenciados são a exceção”, como demonstra a figura a seguir:


A pancreatite crônica pode favorecer o desenvolvimento do câncer pancreático a medida que cronifica o processo inflamatório, formando o estroma. Os mediadores inflamatórios produzidos estão presentes nos ductos e no estroma com fibrose e é provável que promovam a formação do câncer, embora não se conheça o mecanismo de formação. Este crescimento maligno das células resulta do desequilíbrio de fatores de crescimento e aos receptores em que se ligam, contudo, não se tem esclarecido como tais alterações se relacionam com a etiopatogenia (MCPHEE, et al., 2011).

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 

Os sintomas iniciais incluem desconforto abdominal inespecífico, náuseas, vômitos, dificuldades no sono, anorexia e mal-estar generalizado. Apesar da percepção histórica de que uma massa na cabeça do pâncreas se apresenta com icterícia indolor, os achados inicias mais comuns são dor epigástrica, icterícia obstrutiva e perda de peso. Embora esses sintomas desencadeiem uma investigação imediata do pâncreas e da árvore biliar, eles ocorrem tardiamente na doença e estão geralmente associados a tumor avançados no momento do diagnóstico. O achado de vesícula biliar palpável, distendida, indolor, como resultados de obstrução da porção distal do ducto biliar comum por um tumor pancreático, é chamado de sinal de Courvoisier.Os pacientes podem apresentar trombose venosa superficial ou profunda (GOLDMAN, et al. 2009).
 As alterações laboratórios mais comuns incluem anemia e elevação das concentrações séricas de fosfatase alcalina, bilirrubina e aminotransferase. Aproximadamente 80% dos pacientes têm icterícia relacionada com obstrução biliar. Diabetes ou hiperglicemia são vistos como até 80% dos pacientes, e o câncer pancreático deve ser considerado no diagnóstico diferencial da causa de diabetes de início recente em pacientes com mais de 40 anos de idade e que não têm um histórico familiar de diabetes (GOLDMAN, et al. 2009).
Os tumores de outros tipos histológicos com origem no pâncreas podem também vir acompanhados de sintomas inespecíficos. Os pacientes com tumores funcionais das ilhotas inicialmente podem se apresentar com sintomas relacionados com a superprodução de peptídeos nas ilhotas. Os tumores císticos geralmente permanecem assintomáticos até se tornarem volumosos, momento em que são observados massa palpável, dor abdominal, náuseas, vômitos e perda de peso. A obstrução do ducto biliar comum é menos frequente do que nos adenocarcinomas ductais. Os tumores intraductais papiliféros mucinosos podem causar sintomas de pancreatite aguda ou de insuficiência pancreático devido à obstrução do ductopancreático (GOLDMAN, et al. 2009).

DIAGNÓSTICO

            Como diagnóstico precoce a ultrassonografia se mostra como uma ferramenta promissora, contudo, esta triagem também está direcionada a esforços pré clínicos que identifiquem marcadores biológicos que detectem o câncer pancreático precocemente. A triagem precoce atualmente se baseia na seleção de indivíduos em “grupo de risco” determinado incluindo as seguintes características: familiares com 3 ou mais parentes em primeiro grau com câncer de pâncreas, síndrome de Peutz-Jeghers ou pancreatite hereditária. (LONGO, 2013).
            Na avaliação dos pacientes sob suspeita de câncer do pâncreas, a ultrassonografia endoscópica, a TC helicoidal contrastada com multidetectores lineares e a RM mostram-se muito conclusivos na detecção dos tumores e no seu estadiamento. Em resultados inconclusivos para os exames anteriores descritos, recomenda-se a cateterização retrógrada endoscópica do ducto pancreático (PCRE). “Com a técnica moderna de imageamento da tomografia por emissão de pósitrons (PET), observa-se aumento da captação do marcador radioativo 2-[18F]-fl uoro-2-desoxi-D-glicose em cerca de 95% dos pacientes com câncer de pâncreasCaptações desse nível não ocorrem nos pacientes com pancreatite crônica”.  A biopsia de aspiração percutânea com agulha fina é realizada confirmação diagnóstica, principalmente nos pacientes com câncer do corpo ou da cauda do pâncreas e na investigação dos casos suspeitos de metástase. A TC helicoidal e a ultrassonografia endoscópica são realizadas em muitos casos no período pré-operatório para delinear a anatomia vascular local e investigar invasões vasculares que evidenciam a inoperabilidade (MCPHEE, et al., 2011).

TRATAMENTO

A cura do câncer de pâncreas é muito difícil, justamente devido à descoberta tardia, portanto, as medidas de tratamento paliativas são as mais utilizadas. As cirurgias para retirada dos tumores são mais indicadas nos estágios iniciais, na qual há a possibilidade de retirada total sem comprometimento muito grande do órgão ou tecidos adjacentes. A técnica cirúrgica mais utilizada é a Whipple ou Gastroduodenopancreatectomia, que consiste na remoção da cabeça do pâncreas, parte do copo, ducto biliar comum, vesícula biliar, parte do estomago e duodeno. Em casos de tumores mais agressivos, que afetem regiões mais delicadas para o acesso cirúrgico, ou em casos de metástases, é indicado o uso de quimioterapia ou radioterapia e, por vezes, até a combinação de ambas, dependendo da indicação médica levando em conta o estágio em que se encontra o câncer e o estado de saúde do paciente (SOLDAN, 2017). 

REFERÊNCIAS

GOLDMAN L., AUSIELLO D. Cecil: Medicina. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. Vol I e II.

LONGO, Dan L. et al. Medicina Interna de Harrison. 18. ed. Porto Alegre, RS: AMGH Ed., 2013. 2 v.

MCPHEE, S. J.; WILLIAM, F. G.  Fisiopatologia da doença: uma introdução à Medicina Clínica . 5. ed. Porto Alegre : AMGH, 2011.

MOORE, Keith L.  Anatomia orientada para a clínica. 7. ed.  Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.

SOLDAN, MÔNICA. Rastreamento do câncer de pâncreas. Rev. Col. Bras. Cir.,  Rio de Janeiro ,  v. 44, n. 2, p. 109-111,  Apr.  2017

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